A liberação dos Papéis do Panamá há pouco mais de uma semana — registros de onze milhões de documentos da firma de advocacia Mossack Fonseca — mostra como os maiores bancos globais movimentam os ativos de capitalistas bilionários e de grandes figuras políticas para fora de seus países para protegê-los dos impostos. A revelação mexeu em muitos vespeiros em todo o mundo. O governo islandês deve cair e seu parlamento deve ser tomado por uma maioria do Partido Pirata devido às revelações. A carreira do primeiro-ministro britânico David Cameron pode estar ameaçada. E eu duvido que os trabalhadores reais no paraíso dos trabalhadores da China estejam felizes em saber que os líderes do Partido Comunista têm levado seus bens roubados para dentro de paraísos fiscais.
Enquanto anarquista, obviamente eu não tenho perdido muito sono ao pensar que os estados nacionais estão perdendo arrecadação por conta desses fatos. Eu mesmo já negociei descontos várias vezes com muitos comerciantes para pagar minhas compras em dinheiro e ambos ficamos muito satisfeitos com o acordo. Uma das vantagens de arranjos informais dentro da economia social é que a troca direta de trabalho por trabalho dribla os custos do estado burocrático.
Mas o que é diferente neste caso?
Primeiramente, a principal função do estado é a de servir aos plutocratas que têm enviado para fora suas riquezas para evitar os impostos. O estado subsidia as grandes empresas, erguendo barreiras de entrada, restrições competitivas e protegendo direitos de propriedade artificiais como a “propriedade intelectual”, permitindo a existência dos rendimentos de monopólio que alimentam os plutocratas. Como afirma Noam Chomsky, o capitalismo corporativo é a socialização dos custos e a privatização dos lucros. Todas essas ações são bancadas pelos impostos. Considere esse fato ao avaliar o relatório recente que afirma que 74% das fortunas dos bilionários advém de rendimentos obtidos com a ajuda do estado (e eu considero essa uma estimativa muito conservadora).
Até mesmo as ações “progressistas” executadas pelo estado servem para manter o capitalismo sobre uma base estável no longo prazo, maximizando a taxa sustentável de exploração. A maior parte dos benefícios assistenciais do estado — como aposentadorias, bolsas e outros auxílios — são financiados pelos próprios favorecidos através de impostos sobre a folha de pagamento ou são iguais aos custos daquilo que os ricos causaram ao resto da população.
E, além disso tudo, as próprias classes que controlam o estado, que se beneficiam de seus subsídios e de sua proteção dos rendimentos de monopólio, pegam as riquezas extraídas da população e as movem para o exterior. Isso é parte — uma parte particularmente perversa — de uma tendência mais ampla das últimas três ou quatro décadas de neoliberalismo, em que o ônus dos impostos tem sido transferido para os salários dos trabalhadores, aliviando os retornos sobre propriedades acumuladas.
Ou seja, essa aplicação seletiva das leis tributárias em favor das próprias classes servidas pelo estado cheira muito mal.
Contudo, mais importante do que confirmar minha opinião extremamente negativa sobre os ricos e poderosos, a liberação dos Papéis do Panamá me dá grandes esperanças. Eles representam, como afirmou o título de um artigo do Guardian de Micah White, o “amadurecimento do ativismo de vazamentos“. Se os vazamentos de Chelsea Manning em 2010 e de Edward Snowden em 2013 foram pequenos passinhos, os Papéis do Panamá sinalizam o que podemos esperar com os vazamentos futuros.
E, como Glyn Moody afirma no Techdirt (“Terabyte-Sized ‘Panama Papers’ Leak Confirms The Continuing Rise Of The Super-Whistleblowers“, 4 de abril), um vazamento dessa magnitude não seria possível cinco anos atrás — mas é viável agora, graças à disponibilidade de pen drives de um terabyte.
Lembro de minha euforia quando ocorreu a liberação dos documentos da HBGary e da Stratfor e minha esperança de que estivéssemos entrando em um período em que toda semana veríamos uma bomba atômica de informação dessa magnitude derrubada sobre uma corporação da Fortune 500. Mas também lembro de minha tristeza quando o FBI prendeu o hacker Sabu e o núcleo do grupo LulzSec.
Mas finalmente está acontecendo de verdade — só que dessa vez através dos esforços de vazadores internos, não por causa de hackers de fora. Tenho aquela sensação que tive em 2011. Quem vai ser o alvo da semana? Shell? Monsanto? Nestlé? O FBI? A RIAA? Seja o que for, não acho que vá levar muito tempo até que eu veja versões reais dos cenários descritos por Ken MacLeod em Cosmonaut Keep e por John Brunner em The Shockwave Rider , onde todas as iniquidades das instituições poderosas eram expostas.
É bom estar vivo.