O linchamento da “mídia golpista” (“Novos discursos, o mesmo golpismo“, Carta Capital, 4 de abril; “Deputado Paulo Pimenta publica roteiro de golpe jurídico-midiático em 13 passos“, Jornal do Brasil, 25 de março) é interessante porque nessas horas fica claro como as pessoas tem a memória curta. Ninguém se recorda que essa mesma mídia golpista estava totalmente apaixonada por Dilma em meados de 2012. Quem lembra dos editoriais da Veja, da Folha de São Paulo e do Estadão puxando o saco da presidente nos primeiros 100 dias de mandato? Quem lembra da edição extra da Época se arrastando nos pés do governo depois da eleição? Quem se lembra da IstoÉ dando prêmio de “Brasileira do ano” pra Dilma em 2011? Quem se lembra da “Dilmaquinista”? Do espaguete que ela preparou no programa da Ana Maria Braga?
Até durante o julgamento do mensalão ela foi blindada pela imprensa (mais ou menos na mesma época da capa ridícula do “choque de capitalismo” e da “Dilma fala à Veja”). A ordem do dia era enterrar o PT velho e salvar o PT novo, o PT moderno, apesar de esse PT moderno estar enfiado até o pescoço na articulação do governo Lula quando todo escândalo aconteceu.
Sem dúvida o episódio mais simbólico foi na época da “faxina ministerial”. Dilma tinha vendido uma dezena de ministérios pra políticos podres em troca de apoio durante a eleição e depois, pra se livrar deles, começou a vazar informações para a mídia para forçar a renúncia desses ministros. Durante essa série de denúncias de corrupção a mídia — e especialmente a Globo — criou a narrativa fantasiosa de que a corrupção nos ministérios e a presidente não tinham nada a ver um com o outro. Pelo contrário, Dilma estava promovendo uma “faxina” ministerial. Eu lembro de ter ficado meio pasmo com a construção dessa mentira da presidente honesta cercada de ministérios corruptos. Dilma era a heroína bonapartista que estava cortando o nó górdio do presidencialismo de coalizão no Brasil, a Dilma vassourinha, que limpava a sujeira dos salões do poder. Basicamente a mesma idiotice que levou a Globo a bancar a candidatura de Collor. Foi nessa época que surgiu o rumor que Ali Kamel tinha sido neutralizado na direção de jornalismo da Globo pra celebrar o acordo com a presidência.
Depois começou a ficar claro que essa faxina era meio peculiar porque ela tirava um rato e colocava uma ratazana muito maior, só que mais próxima a ela — como aconteceu no Ministério dos Transportes, quando depois da “faxina” a taxa da propina subiu de 4% pra 8%. A Globo cobrou a conta em 2014, quando encomendou a surra homérica logo na primeira pergunta da entrevista feita ao vivo em Brasilia com a presidente no Jornal Nacional, justamente sobre a corrupção e reforma ministerial.
O teor da cobertura da imprensa só começou a mudar depois das manifestações de junho de 2013. A Veja publicou uma edição com a chamada afirmando que “o recado das ruas indica que está na hora de governar” — o que soa patético se você considerar que a revista puxou o saco ou ficou muda sobre o governo durante dois anos. Essa é a grande ironia: o primeiro sinal de revolta contra o governo veio das ruas quando a “mídia golpista” só conspirava a favor.
Antes que digam que eu estou delirando, quem afirma que Dilma estava casada com a mídia não sou eu, é a própria esquerda. Rodrigo Vianna, aquele jornalista que saiu da Globo em 2006 e depois se tornou uma dessas bocas pagas do governo, publicou um artigo em 2012 dizendo o mesmo.
Não era só a mídia que adorava Dilma, todo mundo adorava. Ela chegou a 80% de aprovação. A direita mofada estava em êxtase: Dilma não conversava com movimento social, não queria saber de índio de Xingu, ela não estava interessada em reforma agrária. Ela gostava mesmo de hidrelétrica e de borrachada em manifestante. Era praticamente um Geisel de conjuntinho.
Mas afinal quem foi que se manifestou contra? Economistas, aqueles mesmos suspeitos de sempre. Mansueto Almeida, desde a época da histeria pela instalação da fábrica de tablets no Brasil (hoje soa ridículo, mas anos atrás todo mundo achava que era um salto para o futuro), já falava que a política industrial do governo era anacrônica, que o país tava cada vez mais fechado. Alexandre Schwartsman foi demitido do Santander porque insistia que o governo estava usando a Petrobrás pra maquiar superávits. Celso Pastore vivia dizendo que o governo manipulava câmbio e usava estatais pra conter nível de preços. Fabio Giambiagi cansou de publicar artigos dizendo que consumo e endividamento já tinham chegado no limite e não iam mais sustentar crescimento.
Pra muita gente a fossa em que o país está hoje é uma tragédia anunciada, mas pra mídia golpista foi uma surpresa.