As próximas horas definem o rito da saída da Presidente Dilma Rousseff do cargo (a votação posterior no Senado, se necessária, será apenas pro forma), mas o domínio político do Partido dos Trabalhadores no Brasil chegou ao fim. O resultado da votação do impeachment é pouco importante: nós já sabemos que Dilma não tem mais qualquer legitimidade para permanecer no governo e que o projeto nacional-desenvolvimentista do PT acabou.
Existe uma tentação a atribuir a implosão do governo Dilma a circunstâncias contingenciais, como à inabilidade política da gerentona — burocrata de carreira, sem ligação com movimentos sociais, incapaz das mais simples conciliações de interesses dentro do estado. Mas o fracasso do PT foi construído ao longo de mais de uma década, remontando ao período anterior às eleições de 2001 que colocaram Lula na presidência.
Apesar de sua presença no imaginário popular como um partido essencialmente socialista, o PT era uma colcha de retalhos de tendências e movimentos sociais que buscavam uma voz política. A partir dos anos 1990, os movimentos que formavam a tendência majoritária do partido (encabeçada pela Articulação) haviam chegado a um consenso que buscava construir um capitalismo “disciplinado”. Em 1993, a Odebrecht começou a apoiar o PT, abrindo as portas do partido para a aliança com o empresariado brasileiro. Ao final dos anos 1990, os sindicatos que formam a base do PT já tinham ocupado a gerência dos grandes fundos de pensão brasileiros, que foram usados para “privatizar” as empresas estatais brasileiras durante a administração de FHC. Em 2001, esses fundos já desempanhavam um papel fundamental na economia brasileira, controlando na prática as grandes empresas públicas e os monopólios privados criados pelas privatizações.
Quando da eleição de Lula, o projeto petista consistia essencialmente numa aliança fascista entre a elite empresarial brasileira, a elite sindical e os caciques políticos. Tratava-se de um corporativismo leninista, onde o estado controlava a maior parte dos recursos, os distribuindo entre as elites representantes de cada classe e controlando com mão de ferro as dissidências. O modelo que fazia os olhos da cúpula petista brilhar era a China.
Até o final do governo Lula, o arranjo pareceu funcionar. O Brasil fez o caminho reverso dos anos 1990, fechando a economia para o mercado externo e passando a subsidiar fortemente as empresas nacionais (através, principalmente, do BNDES), fazendo empréstimos a baixos juros para financiar grandes fusões, criando megamonopólios dentro do país (os chamados “campeões nacionais”, e.g.: BRF, Fibria, Oi, JBS Friboi). O agronegócio também se tornou aliado do governo, que financiava sua expansão interna enquanto protegia os latifundiários da competição externa. Os altos preços das commodities agrícolas nos anos 2000 sustentaram grande parte do crescimento brasileiro na era Lula. Os movimentos sociais que tinham voz dentro do PT (como o Movimento dos Sem Terra e as centrais sindicais como a CUT) apaziguavam quaisquer descontentamentos com o acordo.
Como John Kenneth Galbraith, o PT chegou à conclusão de que somente uma economia baseada em grandes conglomerados controlados parcialmente por cada casta social (trabalhadores, empresários, políticos) seria capaz de trazer crescimento e ganhos para todos.
É assim que opera o fascismo: pretende de união do tecido social nacional, mas a única forma de fazer isso é esmagando as dissidências. A ideia metafísica de nação é a justificativa para a união de cada classe; as classes sociais, contudo, são representadas por sua elite. No caso brasileiro, a voz dos trabalhadores era ouvida através dos burocratas sindicais — que, no governo do PT, ganharam trânsito livre para negociar com grandes empresários e velhos políticos.
Quando o inchaço estatal começou a pesar demais, a dívida pública se tornou insustentável e o crescimento se esfarelou, a faceta autoritária do estado corporativo petista começou a aparecer. Vimos a remoção violenta de favelas para as obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a utilização do exército para contenção de protestos, a ocupação de favelas pelos militares, a expansão indefinida do estado policial brasileiro — com um aumento da população prisional de 7% ao ano, prendendo primordialmente pessoas negras e pobres.
A política durante os 14 anos de PT no Brasil não foi acaso: não foi desvio, não foi uma guinada à direita após a chegada ao poder. O projeto era esse. Lula trabalhou diligentemente na consolidação do estado corporativo brasileiro. Seu projeto foi continuado por Dilma Rousseff. Hoje, é um programa falido — ele não apenas não é capaz de gerar crescimento, como permitiu a existência dos gigantescos esquemas de corrupção investigados pela Operação Lava Jato que ameaçam levar Lula para a cadeia.
O maior símbolo dos anos PT no Brasil é a hidrelétrica de Belo Monte. Sua construção, por um consórcio formado pela Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, ofereceu condições de trabalho precárias e insalúbres para os operários do local por muito tempo. Os trabalhadores não eram representados no sindicato, que era controlado pelo governo. Quando os trabalhadores entraram em greve por melhores condições de trabalho, o sindicato pelego negociou prontamente um fim da paralisação junto ao consórcio. A imagem é perfeita: os trabalhadores reais contra o bloco formado por sindicatos, empresas e governo.
Antes da construção de Belo Monte, quando Dilma era apenas uma ministra, lideranças populares do Xingu foram recebidas no Planalto para exporem suas preocupações com o projeto da hidrelétrica. Irritada com as objeções, Dilma Rousseff deu um murro na mesa, gritando: “Belo Monte vai sair!“.
Hoje, quando for votado o impeachment da presidente, lembre-se de que nada disso foi acidente. A sonho petista para o futuro do Brasil, que agora se desmancha no ar, é Dilma Rousseff esmurrando a mesa e gritando “Belo Monte vai sair!” para sempre.