O governo dos Estados Unidos se jogou em outra guerra civil no Oriente Médio. Quando nós já nos perguntamos “quando é que eles vão aprender?”, talvez a resposta seja que os governantes não têm qualquer incentivo para fazer as coisas de forma diferente. O que parece um fracasso pode ser o resultado esperado. Esses atoleiros podem ser benéficos — para a elite governante — se as baixas americanas forem mínimas.
A administração Obama tem auxiliado a Arábia Saudita em seu bombardeio do Iêmen, criando — em conjunto com o embargo saudita — uma catástrofe humanitária no país mais pobre do Oriente Médio. Civis morrem e a pouca infraestrutura do país está sendo destruída.
Por quê? O Secretário de Estado John Kerry afirma que os EUA “não ficarão parados enquanto a região é desestabilizada”. Kerry é um veterano e, presumivelmente, um conhecedor da guerra americana na Indochina. Ele deve saber que um bombardeio é uma maneira terrível de evitar a desestabilização. Kerry não é burro — mas aparentemente é mentiroso e demagogo.
Note que ele fala da “região”, mas não do Iêmen. Por que uma guerra civil no Iêmen afetaria a região? Porque, de acordo com a narrativa oficial, religiosamente repetida pela maior parte da mídia, o Iêmen está sob ataque de agentes do Irã, os Houthis.
O Irã hoje em dia serve ao mesmo propósito que servia a União Soviética ou a Conspiração Comunista Internacional durante a Guerra Fria. O Irã é um arqui-inimigo para todos os propósitos, podendo ser responsável por qualquer dos males políticos do mundo. Assim, o partido da guerra e seus aliados sauditas e israelenses nos dizem todos os dias que o Irã está se movendo, controlando capitais em todo o Oriente Médio: Bagdá, Damasco, Beiture e, agora, Sanaá.
Isso tudo, porém, é absurdo. O Irã não está se movendo. George W. Bush entregou Bagdá aos xiitas iraquianos amigáveis ao Irã em 2003. Obama e sua primeira secretária de estado, Hillary Clinton, declararam temporada de caça ao regime de Assad na Síria, que é um aliado iraniano de longa data, e assim fortaleceram a al-Qaeda e sua mutação mais violenta, o ISIS. Os aliados do Irã no Líbano, o partido político Hezbollah, se formou em resposta à invasão e ocuapação israelense de 1982. Nada disso demonstra a agressividade do Irã. Uma explicação melhor é que essas alianças ajudam o Irã a lidar com o cerco americano. (Lembre-se: a CIA derrubou o governo democrático do Irã em 1953 e foi cúmplice na guerra ofensiva do Iraque nos anos 1980 contra o Irã, na qual Saddam Hussein utilizou armas químicas adquiridas com facilitação americana. Desde então, os presidentes dos EUA e o governo de Israel têm atacado o Irã de várias formas: economicamente, ciberneticamente, patrocinando terroristas e com operações secretas.)
E quanto ao Iêmen, onde os Houthis derrubaram o presidente autocrata apoiado pelos EUA enquanto lutavam contra inimigos declarados dos americanos, como a al-Qaeda sunita na Península Arábica e os aliados iemenitas do ISIS? Sim, os Houthis praticam um tipo de islamismo xiita, zaidi, mas ele difere de várias formas do xiismo iraniano. Na verdade, os Houthis são apenas a manifestação mais recente de uma minoria religiosa iemenita oprimida há muito tempo que busca autonomia do governo central. Depois de anos de frustração e mentiras, eles finalmente se moveram contra esse governo. Diga o que quiser sobre esse grupo, mas não o chame de agente do Irã.
A Arábia Saudita considera o Irã como ameaça, mas seu governo não tem qualquer credibilidade e a administração Obama provavelmente está apenas apaziguando a família real agora que um acordo nuclear com o Irã está em curso. Como o pesquisador independente Jonathan Marshall observa: “Décadas antes de o Irã se tornar o inimigo (…), a Arábia Saudita começou a intervir em seu vizinho do sul. Além de tomar terras, os sauditas enviaram grandes somas de dinheiro para o Iêmen para promover sua versão extrema de islamismo sunita chamada wahhabismo. Em 2009, ela invadiu o norte do Iêmen para atacar os Houthis, sem sucesso.”
Marshal ainda acrescenta: “Washington (…) tem se envolvido nos conflitos civis do Iêmen há décadas.”
Claro, Washington tem também matado iemenitas com drones — nem todos são mesmo “suspeitos de terrorismo” — desde 2001, quando o governo corrupto e repressivo em Sanaá se tornou um aliado na “guerra ao terror”.
“O governo iemenita repetidamente usava auxílio do exército americano para sustentar seu ataque contra os Houthis (‘Operação Scorched Earth’), causando um enorme número de fatalidades civis”, observa marshall.
Como já deveríamos saber a este ponto, a intervenção dos Estados Unidos não é um erro inocente.