No artigo “An Anarchist FAQ after 20 years” (Anarchist Writers, 18 de julho), o principal autor do trabalho, Iain McKay — que escreve sob o pseudônimo Anarcho — faz uma envolvente retrospectiva sobre o documento.
Para mim, é um aniversário digno de celebração porque o FAQ Anarquista (link direto para a versão em português; o original pode ser encontrado aqui) teve um grande papel no meu desenvolvimento ideológico. Eu passei a me ver como anarquista mais ou menos em 1999, acredito eu, e encontrei o FAQ mais ou menos na mesma época em que havia começado a navegar na internet. Estava fazendo leituras esparsas sobre o anarquismo na época e a leitura sistemática do FAQ Anarquista foi uma imensa contribuição ao meu conhecimento geral. As outras influências que podem ter sido remotamente comparáveis foram a leitura do livro Instead of a Book, de Benjamin Tucker, e todo o trabalho sobre a história do imperialismo e da política externa americana de Noam Chomsky.
Isso não significa que eu não tenha ressalvas ao FAQ, obviamente.
O aspecto mais controverso do FAQ talvez seja o motivo principal por que ele foi escrito: para desafiar o enquadramento de Bryan Caplan, que afirmava a existência de um “anarquismo de esquerda” e de um “anarquismo de direita” (“anarcocapitalismo”) — braços igualmente legítimos da tradição anarquista. Nesse ponto, eu devo concordar com McKay que o anarcocapitalismo não é parte constituinte da história do movimento anarquista, embora minhas opiniões sobre o assunto não sejam tão fortes.
Minhas ressalvas em relação a esse ponto de vista são as seguintes. Primeiro, alguns intelectuais são nebulosos em relação a suas posições como ancaps ou anarquistas genuínos. E, segundo, como o historiador anarquista Shawn Wilbur argumentou em vários canais informais, autotintitulados ancaps podem ser classificados (através de uma espécie de versão anarquista do “batismo de desejo” católico) em “anarco”-capitalistas ou anarco-“capitalistas”. Os últimos, embora se identifiquem como anarcocapitalistas, podem ser considerados anarquistas autenticos (ou pelo menos se aproximam da tradição) sem saber.
Essas diferenças podem ser atribuídas, como argumenta Wilbur, ao racha entre os anarquistas individualistas e comunistas no final do século 19 e à absorção da maioria dos individualistas no libertarianismo de direita e nas redes capitalistas de propaganda. Assim, muitas das pessoas que herdam suas ideias das tendências de esquerda e anticapitalistas do individualismo do século 19 se veem sob o rótulo de direita.
De acordo com a minha experiência, há muitos indivíduos nominalmente “ancaps” que 1) tendem a enfatizar que as classes proprietárias são as maiores beneficiárias da ação estatal; 2) enfatizam o potencial das cooperativas e de outras formas de organização solidaristas em um mercado liberado; 3) incluem o sistema de trabalho assalariado como um dos efeitos colaterais negativos da união dos interesses estatais e empresariais; e 4) estão mais interessados em moedas complementares do que em bobagens sobre o ouro. Muitos desses provavelmente são espiritualmente anarquistas, mesmo que atuando fora do movimento anarquista mais visível.
A certo ponto, me incomodava o que eu percebia como uma atitude condescendente do FAQ em relação aos individualistas. O modelo socialista de mercado proposto por pensadores como Josiah Warren e Benjamin Tucker era reconhecido — mesmo que a contragosto — como genuinamente anarquista, embora esses autores fossem considerados claramente inferiores em relação às tendências do anarquismo social. Nos últimos anos, porém, deixei de me identificar como individualista e passei a me ver como anarquista sem adjetivos — promovendo uma amálgama que inclui mercados, produção peer-to-peer, recursos comuns e produção comunista para uso direto — e, por isso, o problema me incomoda menos atualmente.
Se há um ponto de que eu discordo veementemente, é a valorização de modelos de insurreição ou revolução para efetivar mudanças sociais, em contraposição a modelos gradualistas — não “reformistas” — como o autonomismo, que enfatizam a construção de estruturas de uma nova sociedade dentro da antiga.
Nada disso, contudo, diminui o valor do FAQ. Ele poderia, inclusive, ser chamado de Enciclopédia do Anarquismo. Como trabalho de referência, ele é facilmente navegável através de seu índice meticulosamente organizado (especialmente se você consultar a versão online em vez da edição física em dois volumes). As seções e subseções mais extensas, como os artigos em uma boa enciclopédia, são ótimas leituras isoladas.
Para qualquer tópico de pesquisa, como a história ou as críticas estruturais ao capitalismo, as análises críticas anarquistas do marxismo-leninismo, entre outras, a leiutura cuidadosa do material relevante do FAQ e de suas citações às fontes originais é uma estratégia campeã.
É impossível subestimar o valor do FAQ Anarquista como ferramenta educacional e de pesquisa. Também é impossível ignorar a atenção minuciosa que foi depositada nesse trabalho. Por tudo isso, devemos um grande agradecimento a McKay e a seus coautores.