Desde o começo, os oponentes do império americano advertiam que o estado não poderia violar os direitos de estrangeiros sem eventualmente violar os direitos dos cidadãos do próprio país. Um exemplo muito bom é o clássico escrito após a Guerra Hispano-Americana, The Conquest of the United States by Spain (em português, “A conquista dos Estados Unidos pela Espanha”). Os anti-imperialistas estavam certíssimos e a evidência em favor de seus argumentos continua a se acumular.
Escolhendo uma data conveniente, podemos começar no 11 de setembro de 2001, embora essa não seja a única evidência que pode ser extraída da história americana. O abuso do estado aos americanos em nome da segurança começou muito antes dos crimes da al-Qaeda. Podem ser verificados já no nascimento da república, quando se dizia que a segurança do país estava ameaçada pelas nações indígenas, pela Espanha, pela Inglaterra, pela França e pela Rússia. Apesar do folclore americano oficial, não há quase nada de novo no estadismo.
Todos sabemos o que aconteceu após o 11/09: uma tentativa de construção de um império no Oriente Médio e na Ásia central. O complexo de segurança nacional (que inclui firmas do setor “privado” que salivam ao ouvirem falar de contratos públicos) utilizou de todas as suas táticas de estado policial e as resumiram na Lei Patriótica dos EUA. O terrorismo que surgiu com essa expansão imperial foi o alimento do estado (os franceses agora seguem o exemplo). O texto da lei não era abrangente o suficiente para os governantes, que então fizeram coisas que até mesmo o próprio autor e um tribunal afirmaram que não eram autorizadas, como a coleta em massa de dados telefônicos e a escuta sem mandado. Os detalhes foram relatados por Edward Snowden. Embora esses ultrajes específicos tenham sido um tanto mitigados — talvez; será que podemos ter certeza de algo em relação aos altos burocratas? –, outras agressões à nossa liberdade e privacidade persistem. Mais um delator será necessário para nos informar do que resta.
Infelizmente, a maioria das pessoas parece despreocupada com os abusos estatais — sem dúvida por pensarem que sua segurança requer o sacrifício de “alguma” liberdade e privacidade. Não concordam com a máxima de Benjamin Franklin de que “aqueles que sacrificam as liberdades essenciais por uma segurança temporária não merecem segurança ou liberdade”. De acordo com Roderick Long, contudo, essa máxima é um tanto mal formulada, uma vez que a liberdade e a segurança não pode estar em oposição e, assim, não podem ser trocadas uma pela outra. “O que queremos é não sofrer ataques e interferência — de qualquer pessoa, governo nacional ou internacional ou agentes privados. Você chamaria isso de liberdade ou de segurança? É impossível trocar segurança por liberdade porque ambas são exatamente a mesma coisa.
Apesar de todas as violações da liberdade após o 11 de setembro, vemos que os políticos ainda encontram novas brechas. Há conversas em Washington para obrigar o acesso estatal a redes online criptografadas, embora os terroristas que atacaram Paris não usassem qualquer criptografia e apesar de a criptografia de código aberto existir. (Pense no potencial para brechas de segurança em sites comerciais, de bancos ou cartões de crédito. Pense no potencial para a espionagem governamental.)
Há também o candidato a presidente Donald Trump apoia o registro de muçulmanos e o fechamento de mesquitas. Suas histórias absurdas sobre “milhares e milhares” de muçulmanos em Jersey City celebrando a destruição das Torres Gêmeas e sobre sírios que tentam atravessar a fronteira mexicana pretendem espalhar medo e tornar as novas violações à liberdade parecerem razoáveis e necessárias.
O relacionamento entre a política externa e doméstica deveria ser óbvio, mas ainda não está claro para muitas pessoas. Quando o estado ataca populações estrangeiras, os membros do grupo vitimizado buscam vingança no país do atacante. Essa ameaça — não importa o quão remota — oferece um pretexto para acumulação de poder dentro do país.
Os riscos que enfrentamos resultam do militarismo e do império. As pessoas procuram o estado para protegê-las.
A questão proposta pelo regime é: como os americanos podem ficar seguros enquanto nós buscamos invadir países no exterior? Essa pergunta está completamente errada. Os americanos jamais ficarão seguros nessas circunstâncias porque a política externa cria perigos dentro do país e uma sociedade aberta está sempre vulnerável a ataques como os de Paris.
A questão deveria ser: qual política externa maximizaria a segurança do povo americano?
Não há resposta perfeita, mas há uma resposta melhor: a não-intervenção, o fim do império.
O militarismo no exterior é o inimigo da tranquilidade em casa.