Já era hora. O resto dos Estados Unidos finalmente se alinharam aos libertários no dia 26 de junho, quando a Suprema Corte legalizou, por 5 votos a 4, o casamento homossexual em todo o país. Foram 43 anos, mas parece que finalmente a direita autoritária está perdendo influência e os jovens se mostram cada vez mais céticos em relação às estruturas de poder. Vamos celebrar esta vitória da justiça de tantos americanos que agora podem se casar.
Porém, não deixemos o bom ser o inimigo do perfeito. Como Elizabeth Tate nos lembra, “o próprio fato de falarmos de ‘direitos dos gays’ apaga toda a identidade e as experiências das outras pessoas dentro da comunidade queer (gay é apenas uma das identidades e a igualdade de casamento não ajuda os bissexuais, transgênero e muitos outros)”.
Não devemos descartar a identidade de alguns grupos marginalizados quando discutimos ou lutamos pelos outros grupos marginalizados, mesmo que sejam mencionados pela mesma sigla. O acrônimo “LGBTQIA+” representa várias minorias; reduzir tudo a apenas uma letra quando as outras ainda sofrem é contra-produtivo.
Tate também afirma que o foco excessivo sobre a questão do casamento pode nos fazer esquecer de outros problemas que afligem a comunidade LGBTQIA+. O abuso pela polícia é um problema que afeta desproporcionalmente a comunidade trans, especialmente as pessoas trans negras. Embora as rebeliões de Stonewall tenham sido encampadas principalmente por não-brancos, Tate observa que a face da comunidade LGBTQIA+ no mainstream frequentemente é reduzida a “homens gays, brancos e cisgênero”.
Enquanto isso, de acordo com um relatório de 2013 de Nova York sobre a violência contra as comunidades LGBTQIA+, “as pessoas transgênero têm probabilidade 3,32 vezes maior de serem vítimas de violência policial em relação às pessoas não-transgênero. (…) Pessoas transgênero não-brancas têm probabilidade 2,46 vezes maior de serem vítimas de violência física pela polícia em comparação a pessoas brancas não-transgênero. (…) Mulheres transgênero têm probabilidade 2,90 vezes maior de serem vítimas de violência policial em comparação às pessoas que geralmente fazem denúncias de violência (…) e as mulheres transgênero tinham probabilidade 2,71 vezes maior de serem vítimas de violência policial física em relação à população geral de pessoas que fazem denúncias de violência”. Quando analisamos a violência não-policial, de acordo com o relatório do ano anterior, “73,1% de todas as vítimas de homicídio anti-LGBTQ em 2012 eram pessoas não-brancas” e “53,8% das vítimas de homicídio anti-LGBTQ em 2012 eram mulheres transgênero”.
A narrativa convencional que Tate critica é caracterizada pelo privilégio. Enquanto a classe média progressista cis americana dá um tapinha nas próprias costas por um trabalho bem feito, os setores da comunidade queer que não se encaixam na imagem convencional e estereotipada que vemos nas notícias e nos programas de TV é deixada de fora do debate, apesar de estarem sujeitos a riscos cada vez mais altos de violência.
Embora a legalização do casamento homossexual seja tão importante que Obama tenha iluminado a Casa Branca com as cores do arco-íris, o fato de que “os imigrantes transgênero sejam 20% das vítimas de abuso sexual, apesar de serem apenas 500 detentos“, não é importante o bastante para que o presidente nem mesmo dê uma resposta cortês ao ativista transgênero sem documentos que o interrompeu. A heroína, Jennicet Gutierrez, luta por um grupo marginalizado e oprimido que não se encaixa no molde da América progressista, então ela acaba vaiada e perseguida pelos membros privilegiados da elite e aliados da comunidade progressista queer, que inclui Obama.
Este, que é o ser humano mais privilegiado do planeta, está disposto a jantar e celebrar com seus amigos às custas dos pagadores de impostos o mês do orgulho gay, mas não está nem aí para o fato de que, “dos 104 imigrantes que reportaram a um oficial da imigração que temiam ser colocados em detenção por conta de sua orientação sexual ou identidade de gênero entre outubro de 2013 e outubro de 2014, 81 foram presos de qualquer maneira“.
Radicais que se interessam por mudanças reais, pela destruição das estruturas de opressão e pela liberação dos grupos marginalizados devem compartilhar a abordagem de Tate e “parabenizar os estados e políticos que passaram o casamento homossexual”, mas também reconhecer que “40% dos jovens sem teto se identificam como LGBT, pessoas trans são brutalizadas e aprisionadas e pessoas saudáveis não são capazes de salvar uma vida”. Para ela, “há muita coisa em jogo para nos limitarmos ao altar”. Celebremos então a vitória da legalização do casamento homossexual nos Estados Unidos e continuemos a lutar pela total liberação queer.