Na última segunda (4), às pressas, foi aprovado pela Câmara dos Vereadores da cidade do Recife, Pernambuco, o plano urbanístico que autoriza ao consórcio de construtoras Novo Recife o desenvolvimento do projeto de mesmo nome na área do Cais José Estelita, que inclui a construção de 13 prédios de até 38 andares em área nobre da cidade. Em evidente obra orquestrada para a aprovação do plano, a oposição se retirou e um mínimo de vereadores para atingir quórum aprovou o projeto por unanimidade, efetivamente passando as áreas para controle das empreiteiras.
Ao saber da pauta extra na Câmara, militantes do movimento #OcupeEstelita, que ocupou o terreno cerca de um ano atrás impedindo as obras e protestando contra o empreendimento, foram ao local, acompanharam a sessão e ocuparam o espaço externo do prédio, mandando quatro representantes para negociação com os vereadores. Nada além do papel que lhes havia sido designado: enquanto a militância gritava palavras de ordem e vaiava vereadores, o prefeito já sancionava o plano e preparava publicação da lei no Diário Oficial na manhã seguinte.
O Cais José Estelita é um terreno com 1,3 km de extensão, um bairro inteiro no centro da cidade. A área é muito visada por construtoras e pela classe política, que ostensivamente utiliza terrenos urbanos como moeda de troca política e financiamentos de campanha. Embora isso teoricamente tenha incomodado a classe média militante de esquerda recifense, o conluio do estado com a classe empresarial parece ter ficado segundo plano perto do número e da altura dos prédios que as construtoras planejam construir.
O #OcupeEstelita teve origem dentro do fórum de discussão Direitos Urbanos, grupo conhecido pelo engajamento em protestos e ações pela preservação arquitetônica da cidade. Em seus discursos, aparentemente mais importa a beleza da paisagem apreciada principalmente pela classe média e uma cidade livre de prédios altos do que o “direito à cidade” dos mais pobres, que têm sido paulatinamente empurrados para longe dos centros urbanos, submetidos a todos os problemas de transporte e infraestrutura urbana deficiente. Criaram até mesmo um ato “político-folião”, uma troça carnavalesca chamada Empatando Tua Vista, onde pessoas se fantasiam com estruturas altas feitas para imitar prédios, tapando a visão de quem está perto quando se aglomeram. Divertido.
O Direitos Urbanos também deve fazer de tudo para tombar qualquer terreno ou prédio que acharem que devem, impossibilitando a livre construção de casas e comércios, que só parecem ter qualquer importância para quem é desapropriado sistematicamente pelo estado ou não tem para onde ir. Agora mesmo, tentam o tombamento do cais junto ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e comemoram cada passo como se fosse uma clara conquista para “a cidade”.
Como qualquer distribuição gaussiana, o movimento tem sua ala mais coerente, que conseguiu incluir nas demandas do #OcupeEstelita para a reestruturação do projeto, por exemplo, a construção de moradias populares no terreno e se preocupa com a comunidade do Coque, vizinha à toda confusão. Uma cota de moradias populares meio a teatros, parques e mais espaços cool para a classe média, claro.
Mais cedo ou mais tarde, porém, as torres devem ser construídas. Como de costume, o estado serve como arma da classe empresarial contra os cidadãos necessitados.
Só a desobediência civil, invasão de terrenos sem uso ou estatais e proteção a ocupações pode diminuir os problemas gerados por um estado que privilegia as classes dominantes em relação à distribuição de terras. Só com a diminuição do poder de ação da classe política pode-se dissolver o incentivo à compra do legislativo e do executivo para o arrebatamento de terras. A luta entre o Direitos Urbanos e as empreiteiras é somente mais uma luta de classe. No singular, pois fazem parte da mesma. A única diferença é quem está no controle do estado. Enquanto políticos e não cidadãos livres mandarem, sempre teremos Mouras Dubeux para investir na campanha e cobrar no mandato.
Como muitos parecem ignorar, o problema não está nesse estado, mas no estado. E, com todo o respeito, Direitos Urbanos, o que menos importa aqui é a sua vista.