Como diria Homer Simpson, a Reason é a única revista com a coragem para dizer a verdade — de que tudo está ótimo. Desta vez, Jim Pagels (“Misleading Inequality Report is Nothing to Fear“, 22/01) garante que a desigualdade não é um grande problema, apesar do “enganador” relatório recente que aponta que o 1% mais rico logo poderá ter mais riqueza do que o resto da sociedade.
Pagels se esforça para encontrar objeções às conclusões do estudo, a começar pelas trivialidades metodológicas que ele menciona. Por exemplo, Pagels é contrário à classificação da riqueza das pessoas com base no patrimônio líquido porque muitos dos casos de patrimônio líquido negativo são pessoas muito endividadas que vivem em países ricos. E daí? Quer dizer que Bill Gates de alguma forma não é mais rico que uma pessoa com um financiamento habitacional a perder de vista e US$ 100.000 em empréstimos estudantis porque ambos moram nos Estados Unidos?
Ele também apela para alguns clichês dos direitistas que fazem apologia à desigualdade. Primeiro, há certa mobilidade entre as parcelas da população — em outras palavras, meritocracia. Porém, não existe nada de autoevidente a respeito da meritocracia. O que importa é qual é a distribuição estrutural de riqueza a qualquer dado momento; se as pessoas no topo da pirâmide obtém sua riqueza injustamente, não faz sentido apontar para o fato de que muitas pessoas deixam de ser exploradas para se tornar exploradoras.
Além disso, Pagels apela para o crescimento econômico como solução para a pobreza. Mas o PIB basicamente inclui tudo aquilo em que dinheiro é gasto — incluido desperdício, gastos com insumos em processos produtivos ineficientes e a monetização de funções que antes ocorriam fora do nexo monetário. Por exemplo, quando camponeses do terceiro mundo são expulsos da terra em que trabalhavam anteriormente em regime de subsistência, sendo forçados a entrar no trabalho assalariado para comprar o alimento que antes produziam, suas rendas nominais vão explodir, mas isso significa que sua situação melhorou?
Contudo, o que é mais desconcertante é Pagels sentir uma necessidade tão forte de desprovar o crescimento da desigualdade. Por que atacar os níveis de desigualdade de nossa economia altamente controlada seria problemático de acordo com princípios libertários?
Não consigo saber se pessoas como Pagels defender realmente os princípios de livre mercado ou as concentrações de riqueza e poder atuais. Acredito que elas também tenham dificuldade em saber, já que continuam a mudar sua retórica a todo momento. Grande parte disso se deve à origem da crítica, se vem da esquerda ou da direita. Não há qualquer problema em apontar que nossa economia difere substancialmente de um livre mercado e tudo está cada vez pior — a não ser que sua crítica envolva a desigualdade econômica ou o poder corporativo, porque aí o sistema atual passa a ser instantaneamente defensável e uma réplica satisfatória do “livre mercado”.
Depois de avançar os argumentos acima, Pagels escorrega e revela a fonte real de suas preocupações: “A maior parte da desigualdade apontada pelo relatório advém da interpretação mais negativa dos dados, criando a narrativa de que a situação econômica mundial está numa espiral distópica rumo ao inferno. As pessoas então usam essa percepção errônea para justifcar amplas políticas redistributivas estatais”.
Para acalmar Pagels, eu acredito que nós temos um aumento da desigualdade e da concentração de renda precisamente por causa das “amplas políticas redistributivas estatais”. O governo redistribui trilhões de dólares para os mais ricos todos os anos através da promoção da escassez artificial e da defesa de direitos de propriedade artificial, que são usados pelos grandes negócios e pelos super-ricos para extrair rendas monopolistas do resto da população. Longe de querer mais intervenção estatal, minha resposta à percepção correta de que a desigualdade cresce é remover as intervenções existentes que permitem que a plutocracia nos roube neste exato momento com preços exorbitantes para a terra, com os juros em empréstimos e lucros monopolísticos.
Os Bill Gates e Sam Waltons, os banqueiros e diretores executivos das corporações não são um bando de John Galts, individualistas independentes que subiram ao topo por sua genialidade empresarial. Eles são casos assistenciais. São ladrões.
Chegou a hora de os libertários honestos começarem a reconhecer a cumplicidade estatal na criação da desigualdade — e lutar para corrigi-la através da abolição do estado — ao invés de trabalhar como apologistas daqueles que mais se beneficiam da intervenção estatal.