Recentemente, em um comentário a meu artigo “O caminho libertário para o igualitarismo“, o filósofo libertário Tibor R. Machan citou o livro de George Orwell A Revolução dos Bichoscomo exemplo do que acontece quando tentamos combater a desigualdade. Para Machan, a desigualdade é um “problema fabricado” e a história de Orwell é um alerta para os perigos da tentativa de corrigi-la. Ao ler seu comentário, fiquei um tanto perplexo, porque eu jamais havia interpretado A Revolução dos Bichos dessa maneira. Desde que li o livro pela primeira vez, minha leitura indicava um alerta quase oposto ao indicado por Machan.
Parecia-me então, como agora, que A Revolução dos Bichos faz uma advertência a respeito dos problemas da desigualdade, o resultado da concessão de direitos e privilégios a uma classe política dominante. Orwell habilidosamente ilustra o problema fundamental da autoridade política, seus conflitos inerentes e seus incentivos que favorecem o abuso do poder e que rapidamente enterram grandes ideais filosóficos. O ponto principal de Orwell era que os porcos nunca levam a sério sua retórica de igualdade e de restabelecimento da fazenda em termos mais igualitários — que quase imediatamente passam a tomar vantagem de sua posição desigual na fazenda para explorar o resto dos animais e concentrar os luxos para seu usufruto particular. A Revolução dos Bichos, assim, sucintamente demonstra a conexão entre o poder político e o poder econômico. Quando a desigualdade naquele é instituída como fato legal, a desigualdade neste se segue inexoravelmente. Os libertários de livre mercado normalmente ficam desconfortáveis com as condenações de esquerda à desigualdade econômica, alegando que, em princípio, o libertarianismo não tem qualquer problema com a desigualdade.
Afinal, se favorecemos os direitos individuais, a competição aberta e a propriedade privada, devemos aceitar quaisquer resultados que se seguirem dessas premissas. Estritamente, tudo isso é verdade. Parece-me, porém, que uma crítica social libertária precisa incluir uma crítica à desigualdade econômica como sintoma da falta de liberdade econômica e das persistentes interferências do poder político em favor das elites ricas. Em seu estudo biográfico de Thomas Hodgskin, o historiador David Stack descreve a crença de Hodgskin de que “o trabalhador poderia ser liberado através da aplicação consistente da moralidade burguesa”. Para Hodgskin, Stack afirma, “a desigualdade e a miséria, a ordem social e a antipaz” eram todas funções da legislação, impostas artificialmente e não resultantes de “quaisquer desigualdades inerentes no sistema de produção”. Se as injustiças econômicas existentes resultam da lei positiva, então “restrições socialistas ao laissez faire estavam enganadas”. Hodgskin viveu e escreveu seus trabalhos numa época em que era mais fácil articular uma visão que fosse tanto liberal quanto socialista. O legado pouco apreciado de pensadores como Hodgskin avança o argumento (frequente aqui no Centro por uma Sociedade Sem Estado) de que os libertários devem desconfiar do termo “capitalismo” em vez de trombeteá-lo como algo que favorecemos.
Como Hodgskin, os anarquistas de mercado atuais não se opõem ao fato de que o capital é compensado como parte do processo de produção. A preocupação — que só pode ser aplacada pela adoção de um ora hipotético livre mercado — é que o capital seja supercompensado devido à posição de privilégio que o estado confere a ele. Escreveu Hodgskin: “Ficamos tentados a pensar que capital é como uma palavra cabalística, tal qual Igreja ou Estado, ou quaisquer outros termos gerais que são inventados por aqueles que tosam a humanidade para esconder as mãos com a tesoura. É um tipo de ídolo perante os quais os homens devem se prostrar (…).” Entre os insights principais de Hodgskin, normalmente ignorados pela maioria dos defensores do livre mercado, está a ideia de que o comércio em si não prova a ausência de exploração. As trocas desiguais são exploratórias no momento em que uma das partes têm vantagens injustas ganhas através de intervenções coercitivas ou restrições à competição. No nível micro, as trocas desiguais se manifestam, por exemplo, em relações de emprego ou em acordos de bens ou serviços de consumo. Em uma escala maior, análises sobre trocas desiguais podem auxiliar nosso entendimento sobre a forma pela qual os países pobres e em desenvolvimento interagem economicamente com o Ocidente desenvolvido.
No mundo de A Revolução dos Bichos, os porcos empregavam a violência como maneira de preservar sua posição de poder; os outros animais trabalhavam cada vez mais em troca de menores pagamentos, enquanto os porcos eram os senhores da Granja dos Bichos — nome que foi eventualmente revertido ao original Granja do Solar. O mantra original “Todos os animais são iguais” foi gradualmente, quase imperceptivelmente, suplantado pela ideia de que “alguns animais são mais iguais que outros”. A interpretação de Machan de A Revolução dos Bichos esquece que Orwell era um socialista e, como o estudioso de Orwell Craig L. Carr observa, o livro é um alerta bastante direto a respeito da “traição do ideal igualitário”. Após a revolução dos porcos, com a queda do sr. Jones, permaneceu “[um] sistema econômico que legitimava a desigualdade material”. Orwell tinha bastante interesse no uso da língua. Em toda a sua obra, inclusive em A Revolução dos Bichos, gestos políticos são os mecanismos através dos quais os objetivos nobres da revolução se tornam “coerentes com o privilégio e a posição de superioridade da classe dominante”. Os termos usados pelo libertarianismo e pelo livre mercado similarmente são importantes aos beneficiários dos privilégios econômicos. Sem eles, as pessoas reconheceriam o que de fato é o poder corporativo: algo criado pela violência e coerção políticas, um sistema de classes tão real, observável e quantificável quanto qualquer outro anterior. Criticar a desigualdade deve ser importante para o libertarianismo porque devemos levar a sério nossas ideias em favor do livre mercado e devemos considerar a economia política atual como muito distante de nosso modelo. Os libertários, da mesma maneira, devem estar abertos ao socialismo e à análise de classes presente no trabalho de esquerdistas como Hodgskin e Orwell. É hora de começarmos a enfatizar tanto a liberdade quanto a igualdade, não somente uma ou outra.