O editor da Hot Air Weekend, Jazz Shaw, acredita que denunciar a militarização policial — não só em Ferguson, onde acontecem os conflitos no Missouri, mas em todo lugar — é um “julgamento apressado e desprovido de contexto”. Ele se impressiona com o fato de que “uma perturbação local se transformou em uma exigência nacional pelo enfraquecimento da polícia”. Shaw alega que essa ideia é um insulto, porque “os departamentos de polícia em cidades de todos os tamanhos em todo o país já são equipados com equipamentos militares modernos há algum tempo e o resto dos Estados Unidos não parece ter se transformado em campos de extermínio”.
Ignorando a tentativa óbvia de Shaw de conversar levar a conversa por um caminho histérico, talvez seja uma boa ideia responder a suas objeções de forma caridosa, dando o contexto apropriado a elas, a começar por Ferguson.
A observação mais óbvia que se deve fazer é que atravessar fora da faixa de pedestres, pequenos furtos ou fugir de policiais não são crimes puníveis com morte em qualquer lugar dos Estados Unidos. O fato de Michael Brown foi morto por um desses três motivos é ultrajante e as pessoas ficaram justificavelmente revoltadas. Isso, porém, não é tudo que acontece em Ferguson. A composição demográfica da cidade diz muito.
De acordo com dados extraídos do Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos e com algumas reportagens, cerca de 64% da população de 21.203 habitantes de Ferguson — ou seja, 14.290 — é formada por negros. Seu prefeito, James Knowles, contudo, é branco; cinco dos seis membros do Conselho Municipal são brancos; seis dos sete oficiais da mesa diretora educacional são brancos; e dos 53 policiais do Departamento de Ferguson, três – três! – são negros.
Tem mais. De acordo com a Procuradoria Geral do Estado do Missouri, embora brancos em Ferguson tenham maior probabilidade de serem pegos carregando “contrabando” em buscas policiais que negros, há uma probabilidade seis vezes maior de que negros terão seus carros parados por policiais, 11 vezes maior de que sejam revistados e 12 vezes maior de que sejam presos.
O assassinato de Michael Brown serviu para catalisar as insatisfações de uma população intensamente perseguida, destituída e discriminada racialmente. E esse não foi um incidente isolado. Ao longo de 2014 houveram vários casos de alta repercussão de policiais que mataram homens negros desarmados e não-violentos, como Luis Rodriguez em Moore, Oklahoma, e Eric Garner em Staten Island, Nova York. Quatro casos ocorreram somente em agosto, de acordo com Josh Harkinson do site Mother Jones.
No entanto, Jazz Shaw acredita que os que lutam pela desmilitarização da polícia, como Radley Balko, Rand Paul e outros, simplesmente querem voltar aos bons e velhos tempos da polícia, “a era em que o policial caminhava tranquilamente, rodando seu cassetete e apontando o dedo para a criança levada que roubava uma máquina de doces”.
Ele quer que soldados o protejam de rebeliões como a de Ferguson (que ocorreu apenas em uma noite em uma semana de protestos e violência da polícia) ou os distúrbios em Los Angeles por conta do caso de Rodney King em 1992. Shaw quer proteção. Quer que soldados policiais patrulhem as ruas totalmente paramentados a todo momento, em todas as comunidades, para protegê-lo e proteger aqueles como ele de atiradores nas escolas, negros e qualquer outra pessoa que tenha ousado quebrar o contrato social conservador que ele criou para todos nós.
“Antes de exigir a ‘desmilitarização’ da polícia”, escreve ele, “talvez você queira se lembrar de quem é que garante que a sua vizinhança hoje em dia seja diferente da de Los Angeles em 1992”.
Nós lembramos. E por isso queremos a desmilitarização total, seguida da completa abolição, não apenas do Departamento de Polícia de Ferguson, mas de todas as polícias, em todos os lugares.