Maria Isabel Veliz Franco tinha 15 anos quando foi agredida sexualmente, torturada e brutalmente assassinada na Guatemala em 2001. Sua mãe lutou para que a justiça fosse feita, e, em 28 de julho deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que as autoridades guatemaltecas não haviam investigado adequadamente o assassinato, tratando-o com negligência em um ambiente de sistemática violência e discriminação contra a mulher.
Sebastian Elgueta, pesquisador da Anistia Internacional sobre a Guatemala, afirmou que “[as] lições deste caso só serão aprendidas quando forem levadas a sério as mortes de todas as mulheres e meninas assassinadas na Guatemala, e quando forem tomadas medidas concretas para prevenir a violência contra as mulheres e para criar uma sociedade segura e respeitosa para todas as pessoas”.
Esse trágico caso julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos representa de que modo a criação de jurisdições internacionais que avaliem se estados estão respeitando obrigações que eles assumiram de respeitar os direitos das pessoas sob seu poder é muito importante para a liberdade humana.
O primeiro caso que pesquisei da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi um caso também da Guatemala, Meninos de Rua (Villagrán Morales e outros) vs. Guatemala.
Eu já era libertário à época e me impressionou que o caso de 5 meninos de rua sequestrados e mortos pela polícia, que com certeza teria sido esquecido para sempre se dependesse do estado guatemalteco, tinha sido trazido ao conhecimento internacional para que um tribunal independente pudesse julgar o caso e condenar o estado a compensar as famílias daqueles meninos, investigar e punir os responsáveis e tomar medidas para evitar que isso acontecesse novamente.
A importância da emergência desses tribunais é que eles permitem um controle independente sobre os estados e desafiam a concepção de que o estado é o árbitro final sobre nossos direitos e liberdades. Ao invés do poder estatal ser a instância máxima, em casos de direitos humanos os próprios Estados têm de sentar-se no banco dos réus, diante da denúncia de um indivíduo, perante tribunais que seguem parâmetros legais respeitosos aos direitos individuais.
No caso brasileiro de um paciente deficiente mental, Damião Ximenes Lopes, que havia morrido – por negligência – em uma casa de repouso ligada ao SUS, o estado brasileiro foi condenado pela ausência de investigação do ocorrido. Outro caso foi o dos desaparecidos da guerrilha do Araguaia na época da ditadura militar brasileira, em que Corte entendeu que a Lei de Anistia brasileira, que perdoou as graves violações de direitos humanos cometidas pelo estado ditatorial, era ilegal, o que já comentei em outra ocasião.
Da perspectiva de um livre mercado radical, essas cortes arbitrais internacionais permitem que argumentemos que o Brasil viola direitos humanos por não admitir liberdade sindical para seus trabalhadores.
Essa possibilidade existe porque a Corte Interamericana de Direitos Humanos pode avaliar casos de violação de direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, que trata de direitos civis e políticos, mas também pode examinar alguns dispositivos do Protocolo de San Salvador, que trata de direitos econômicos, sociais e culturais. Dentre estes, destaca-se:
Artigo 8 Direitos sindicais
1. Os Estados Partes garantirão:
a. O direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar‑se ao de sua escolha, para proteger e promover seus interesses. Como projeção desse direito, os Estados Partes permitirão aos sindicatos formar federações e confederações nacionais e associar‑se às já existentes, bem como formar organizações sindicais internacionais e associar‑se à de sua escolha. Os Estados Partes também permitirão que os sindicatos, federações e confederações funcionem livremente;
Desde Getúlio Vargas, a liberdade sindical dos trabalhadores brasileiros foi roubada pelo estabelecimento da “unicidade sindical”, um monopólio legal onde é permitido apenas um único sindicato para representar a categoria em determinado território. Por isso, as maiores instituições sindicais do país, a CUT e a Força Sindical, estão alinhadas ao capitalismo corporativo brasileiro.
Isso inclusive é um dos motivos pelos quais o Brasil não ratifica a Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho. A OIT em sua constituição já estabelece a primazia da liberdade sindical, mas ratificar esta convenção em específico faz com que o país se comprometa explicitamente com este princípio nas relações trabalhistas. O artigo 2º estabelece que os trabalhadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas. E resta clara a proximidade do art. 2ª da Convenção 87 da OIT com o art. 8.1.a do Protocolo acima, ambos consagrando um princípio de interação sindical livre que o Brasil viola.
Se conseguíssemos uma condenação do Brasil junto à Corte Interamericana por ter impedido a operação de um sindicato livre, fora da estrutura monopolística criada pelo estado brasileiro, pela violação da liberdade sindical, seria um importante passo para chamar atenção da população, especialmente dos trabalhadores, do absurdo que é o governo continuar a negar seu direito de associação livre na busca de melhores condições de trabalho em negociações coletivas.
Portanto, seja para não deixar esquecidos os casos de meninos de rua mortos por policiais ou de uma adolescente cujo assassinato brutal não foi investigado pela polícia, seja para denunciar como o estado privou trabalhadores de liberdade sindical, passando por uma série de outras possibilidades, a existência de tribunais internacionais de direitos humanos apresentam um conceito radical: o de que o estado não pode ter a última palavra, de vida e de morte, sobre nós e nossos direitos.
O ativismo legislativo não vai nos conduzir para a liberdade, mas existe uma lei a nosso favor e devemos tirar máximo proveito dela.