Quando começou a demolição dos galpões abandonados do Cais José Estelita no Recife, a mobilização que ocorria desde 2012 do movimento #OcupeEstelita mostrou ter sido necessária. No dia 21 de maio último, quando os tratores da empreiteira Moura Dubeux se posicionavam durante a madrugada para passar por cima dos antigos armazéns de açúcar, vários indivíduos, articulados principalmente pelo grupo Direitos Urbanos, estavam posicionados para barrar o avanço.
Na última terça (03/06), o #OcupeEstelita teve sua vitória (parcial, até o momento) formalizada pela prefeitura, que, a contragosto, suspendeu o alvará de demolição dos galpões.
Abandonados há anos, os armazéns do Cais Estelita, relíquias da economia canavieira do estado de Pernambuco, pertenciam à hoje extinta Rede Ferroviária Federal. A área dos galpões foi leiloada em termos extremamente camaradas para um consórcio de empreiteiras que planejou, junto à prefeitura, o projeto Novo Recife.
O Novo Recife consiste na construção de 12 torres de mais de 40 andares na área, que é uma das mais bem localizadas da cidade. Além disso, projeto também consiste na captura do debate pelo governo. Pela lógica plutocrata da prefeitura e das empreiteiras, que tem conquistado muitos adeptos, há o time a favor do progresso, de novos apartamentos e do desenvolvimento urbano, e há o time que torce pelo retrocesso, pela manutenção de uma área potencialmente nobre como a do Cais abandonada e desvalorizada.
Falsa dicotomia evidente, que vem sendo combatida pelo grupo de ativismo Direitos Urbanos (o qual deu origem ao #OcupeEstelita), que pretende discutir soluções urbanísticas para a cidade. O Direitos Urbanos, enquanto fórum de discussão e ativismo, reúne posições diversas a respeito de como a cidade deve ser ocupada e planejada. Infelizmente, além de diversas, suas posições também são vagas e levemente enviesadas para uma visão urbana de classe média, que enfatiza não a legitimidade do uso e da propriedade dos espaços urbanos, mas uma visão específica de como esses espaços públicos devem ser utilizados: em comunidades mistas de casas e comércio, praças, espaços arborizados, ciclovias, etc.
Não há nada de errado em espaços urbanos mistos, que devem ser preferíveis e não desestimulados pela legislação (como são atualmente). Porém, o problema fundamental do uso do espaço urbano permanece, mesmo com a rejeição estética da utilização do espaço do Cais Estelita pelas empreiteiras. A discussão mais básica é: quem deve usar o espaço público?
Podemos discutir os detalhes sobre como esse espaço será utilizado mais tarde. Em primeiro lugar, deve-se falar sobre como desestatizar os terrenos públicos. Claramente é injusta uma privatização que coloca um terreno gigantesco e extremamente bem localizado como o dos antigos armazéns nas mãos de um consórcio de construtoras.
Não se tratam de terrenos legitimamente estatais e o governo não tem qualquer legitimidade para excluir o resto da população da possibilidade de se apropriar da área. Infelizmente, os detalhes de um processo de desestatização que abrisse suas portas a todos poderiam ser bastante complexos.
Por isso, eu gostaria de fazer uma modesta proposta.
No Brasil, calcula-se que entre 200 e 250 mil pessoas tenham sido despejadas de suas casas com as obras para a Copa do Mundo e das Olimpíadas. Muitas receberam indenizações risíveis e outras tantas sofrem com a falta ou a insuficiência do auxílio-aluguel prometido.
Proponho uma solução: façam os 12 prédios que querem, mas coloquem nos apartamentos as pessoas que foram violentamente expulsas de suas casas pelo governo.
Parece justo: se o governo orquestra um processo excludente de privatização, que ao menos ela favoreça aqueles que foram deliberadamente destituídos.
Se as vítimas da Copa forem beneficiadas, podemos pensar no impacto urbano depois. O que acha, Direitos Urbanos?