O artigo seguinte foi escrito por Cory Massimino e publicado em inglês no blog do Students For Liberty em 3 de abril de 2014.
Há uma divisão cada vez maior entre os libertários com relação à conexão entre seu firme comprometimento à luta contra o estado e outros valores sociais e culturais. Contudo, trata-se de uma falsa dicotomia. Os libertários apoiam um único princípio maior: a liberdade. É um princípio que se aplica a situações que envolvem ou não o estado. A preocupação com injustiças não-estatais, além daquelas criadas pelo próprio estado, fortalece nosso comprometimento com a liberdade e deixa claro que o libertarianismo é mais que apenas o anti-estatismo.Recentemente, o conhecido escritor e editor libertário Lew Rockwell escreveu um artigo em seu blog intitulado “What Libertarianism Is, and Isn’t” (“O que o libertarianismo é e o que ele não é”, em português). Nele, Rockwell afirma: “O libertarianismo se preocupa com o uso da violência na sociedade. Isso é tudo. Ele não é nada além disso”. Ele defende uma visão libertária que se preocupa somente com direitos de propriedade e sua defesa. Rockwell alega que a filosofia libertária se resume ao princípio da não-agressão, aos direitos de propriedade lockeanos e nada mais.
Quaisquer outras preocupações com questões sociais e culturais além desses limites são apenas preferências pessoais desconectadas de sua posição libertária. “Os libertários, é claro, são livres para se preocuparem com questões como o feminismo e o igualitarismo. Porém, seu interesse nessas questões não tem nada a ver com o libertarianismo, não é requerido por ele nem uma característica essencial.” Acredito que isso não seja verdadeiro. Meu alinhamento com as ideias feministas, anti-racistas, com a liberação gay e trans e meu apoio ao fortalecimento dos trabalhadores são frutos do meu libertarianismo. Defendo esses princípios pelos mesmos motivos pelos quais eu estou comprometido ao anti-estatismo.
O motivo por que eu me preocupo com as violações de liberdades que não têm origem no estado é explicada pelo próprio Lew Rockwell: “Nossa posição não é meramente a de que o estado seja moralmente mau, mas de que a liberdade humana seja um enorme bem moral”. Exatamente! Sou contrário ao autoritarismo, à dominação e acredito na igualdade de autoridade. É por isso que me oponho ao estatismo. É também por isso que sou favorável a um mundo livre de opressões institucionais como o patriarcalismo, o racismo, a repressão a gays e trans e ambientes de trabalho hierárquicos e sem autonomia.
Minha crença na igualdade de autoridade se aplica a mais que somente o relacionamento entre um político e o cidadão médio. Se aplica a todos os relacionamentos humanos, estejam eles localizados num prédio estatal, na mesa de jantar ou no balcão da lanchonete; eu desejo maximizar a liberdade humana. Desejar a liberdade humana em todas essas áreas tem relação direta com a filosofia libertária. Não são só complementos, são o prato principal.
Rockwell cita o próprio Mr. Libertarian, Murray Rothbard, em suporte à sua posição libertária enxuta. Rothbard escreve: “O libertarianismo não oferece um modo de viver; oferece a liberdade para que cada pessoa tenha a possibilidade de adotar e agir de acordo com seus próprios valores e princípios morais”. Eu acredito que as implicações verdadeiras do que Rothbard diz aqui dão suporte a um libertarianismo mais amplo, em contraposição à opinião de Rockwell. O libertarianismo, realmente, não favorece um estilo de vida particular, mas tem algo a dizer sobre como devem ser as interações humanas. Portanto, enquanto filosofia social, o libertarianismo deve defender o repúdio a relações autoritárias.
O argumento de Rothbard mostra como a liberdade é necessária para que cada pessoa encontre seu propósito e atinja seus fins. Isso vai muito além das ações do estado. Normas culturais repressivas e costumes sociais dominantes também impedem que as pessoas prosperem. Também limitam suas liberdades. Um negro não pode ter uma vida decente se estiver numa comunidade extremamente racista, onde empresários se negam a empregá-lo ou servi-lo. Eles não estariam violando seus direitos, mas certamente diminuiriam sua capacidade de atingir seus fins. Ele não poderia ser considerado livre numa sociedade tão opressora.
Rothbard continua: “Os libertários concordam com Lord Acton ao dizer que a ‘liberdade é o maior objetivo político’, embora não necessariamente o maior objetivo dentro da escala de valores pessoal de todos os indivíduos”. Embora essa seja uma excelente citação de Lord Acton, ela não vai longe o bastante. Por que a liberdade seria relevante somente à esfera política? Ela é, certamente, afetada por muitos outros fatores. Não há motivos para que nossas preocupações com a liberdade humana sejam deixadas na porta de entrada do Palácio do Planalto. Para sermos coerentes, devemos estender essa preocupação a todas as interações humanas.
Rockwell conclui: “[O libertarianismo] não precisa e não deve ser fundido com qualquer outra ideologia alheia a ele. Isso só levará a confusões e à diluição de seus argumentos morais centrais, além da diminuição do apelo da mensagem central da liberdade”. Contudo, essa fusão não existe. A preocupação com relacionamentos autoritários que estejam fora da alçada do estado é um mero desenvolvimento dos princípios centrais de autonomia e liberdade. Não dilui a mensagem, mas a fortalece. Torna-a mais coerente internamente e faz com que a preocupação com a liberdade seja o foco central, no lugar de um anti-estatismo vazio.
Nós apoiamos a auto-soberania, a autonomia individual e a liberdade pessoal. Esses são os pilares de nossas ideias filosóficas: a massa da pizza. A oposição ao estatismo, à tirania política e à força centralizada e o apoio às liberdades civis, ao livre mercado e ao não-intervencionismo são uma das conclusões que devemos apoiar: o molho de tomate. Mas não são tudo. Nossos fundamentos também justificam a oposição à repressão cultural, à intolerância social e a relacionamentos autoritários, além do apoio ao feminismo, à liberação gay e trans, ao anti-racismo e ao fortalecimento dos trabalhadores, que são o outro lado das conclusões que devemos apoiar: o queijo. Juntos, esses ingredientes formam a grande e deliciosa pizza conhecida como libertarianismo.