Truísmos - William Lloyd Garrison

Este texto foi publicado no jornal The Liberator de 8 de janeiro de 1831.

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1. Todos os homens nascem iguais e têm direito à proteção, exceto aqueles cujas peles são negras e cujos cabelos são encarrapichados; ou, para evitar erros, exceto africanos e seus descendentes.

2. Se os homens brancos são ignorantes e depravados, eles devem receber gratuitamente os benefícios da educação; mas se os negros estão nesta condição, o senso comum dita que eles devem ser sujeitados à escravidão e jamais instruídos.

3. Aquele que rouba uma ovelha ou que compra uma de um ladrão merece uma severa punição. Aquele que rouba um negro, ou que o compra de um seqüestrador, não tem culpa. Por quê? Porque uma ovelha pode ser comida e um negro não; porque ele tem uma pelugem negra e ela uma pelugem branca; porque a lei assevera que essa distinção é justa — e a lei, como sabemos é fundamentada na eqüidade; e porque a pura benevolência atua num caso e a completa vilania no outro.

4. A cor da pele determina se um homem tem alma ou não. Se branca, ele tem uma essência imortal; se negra, ele é totalmente bestial. Mulatos, porém, não tiram benefício algum dessa regra.

5. Negros devem ser mantidos acorrentados, porque são estúpidos demais para cuidarem de si mesmos; pelo menos, nós não somos tão estúpidos a ponto de fazê-los passar por isso para que eles experimentem.

6. Seqüestrar crianças na costa da África é um crime terrível, punível merecidamente com a morte; mas aquele que roubá-las, em seu país, tão logo que elas nasçam, executa não apenas um ato inocente, mas também louvável.

7. Na África, um homem que compra ou vende outros homens é um monstro do inferno. Na América, é um herdeiro do paraíso.

8. Um homem tem o direito de execrar eternamente o comércio externo de escravos e seus cúmplices; mas se ele proferir algum sentimento depreciativo em relação ao tráfico doméstico ou àqueles que auxiliam o transporte das vítimas, ele deve ser aprisionado por difamação e sentenciado a pagar uma multa de não menos que mil dólares.

9. Aquele que chamar os senhores de escravos americanos de tiranos é um tolo, um fanático ou um louco; mas se ele justificar governos monárquicos ou uma aristocracia hereditária, tenha-o por um conservador e por um traidor de seu país.

10. Não há o menor risco de rebelião entre os escravos; e mesmo se eles houvessem de se revoltar em massa, o que poderiam fazer? Suas forças unidas seriam totalmente desprezíveis.

11. Ninguém, a não ser fanáticos ou idiotas, deseja a imediata abolição. Se os escravos fossem libertados de uma vez, nossas gargantas seriam cortadas, nossas casas, pilhadas e incendiadas!

12. Nossos escravos precisam ser educados para a liberdade. Nossos escravos não devem jamais aprender o alfabeto, porque o conhecimento os ensinaria a se livrarem de seus grilhões.

13. As pessoas do norte não têm direito de aliviar o sofrimento físico ou de iluminar a escuridão espiritual no sul; mas elas têm o direito de assistir os gregos, os hindus ou quaisquer outras nações estrangeiras.

14. Se os escravos, inclinados ao desespero, se insurgissem contra seus mestres, os estados livres seriam constitucionalmente obrigados a cortar suas gargantas! "O destinatário é tão perverso quanto o ladrão." Os estados livres recebem e consomem a produção do trabalho escravo! O Distrito de Colúmbia é propriedade nacional; a escravidão existe naquele Distrito! E no entanto os estados livres não têm culpa alguma pela escravidão!

15. Um homem branco que mata um tirano é um herói e merece um monumento. Se um escravo matar seu mestre, ele será um assassino e merecerá ser queimado.

16. Os escravos são mantidos em sujeição pelo próprio bem deles. A liberdade é uma maldição para as pessoas de cor livres — a condição delas é pior que a dos escravos! Porém, seria cruel acorrentá-las pelo próprio bem delas!

17. Os escravos são felizes e satisfeitos. Se em alguns momentos eles são tão ingratos ou iludidos a ponto de fugirem, é a pura filantropia que induz seus senhores a oferecer uma bela recompensa pela captura deles.

18. Negros têm intelecto. As leis, no sul, que proíbem a instrução deles não foram postas em vigor por elogio ou porque se supunha que esses brutos possuíam cérebros, mas simplesmente por conta de uma ânsia por uma supérflua legislação.

19. Escravos são tidos como propriedade. É o apogeu do humanitarismo e da justiça, portanto, que as leis os considerem também como agentes morais e que os punam de forma mais severa se eles perpetrarem um crime; muito embora eles não sejam capazes de ler e nunca tenham visto ou conhecido as leis!

20. É tolo e cruel que um indivíduo denuncie a escravidão, porque quanto mais ele perturbar a segurança dos mestres, mais violentas serão suas condutas em relação aos escravos. Pela mesma razão, nós devemos preferir os produtos do trabalho escravo, pois quanto mais ricos os mestres se tornarem, melhor poderão tratar, alimentar e vestir seus servos.

21. Negar que um homem que possui escravos e que condena os filhos deles às correntes seja cristão ou republicano é injusto e inconsistente.

22. Dizer que um clérigo escravista deve seguir seus próprios preceitos ou obedecer o sétimo e o décimo mandamentos é um disparate.

23. Duvidar da vitalidade religiosa de uma igreja que seja composta por senhores de escravos é a pior espécie de infidelidade.

24. Os africanos são nossos escravos — não porque gostemos de oprimir ou de ganhar dinheiro injustamente, mas porque a maldição de Noé deve se realizar e as escrituras devem ser obedecidas.
William Lloyd Garrison (1805-1879) foi um dos mais radicais e importantes abolicionistas americanos. Lutou por mais de trinta anos pelo fim da escravidão nos Estados Unidos através de seu jornal The Liberator e da American Anti-Slave Society.