Ao público - William Lloyd Garrison

O seguinte texto foi publicado no primeiro número do jornal abolicionista The Liberator em 1 de janeiro de 1831.

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Ao Público

No mês de agosto, eu expedi propostas para a publicação do "THE LIBERATOR" na cidade de Washington; mas a iniciativa, embora aplaudida em diferentes partes do país, foi paralisada pela indiferença pública. Desde aquele período, a mudança do Genius of Universal Emancipation1 para a Sede do Governo tornou menos imperioso o estabelecimento de um periódico similar naquela região.

Durante minha recente excursão com o propósito de excitar as mentes das pessoas através de uma série de discursos sobre o tema da escravidão, todos os lugares que visitei deram-me clara evidência de que nos estados livres ocorreria uma maior revolução na opinião pública - e particularmente na Nova Inglaterra - do que nos estados do sul. Eu vi que o menosprezo era mais amargo, que a oposição era mais ativa, que a difamação era mais implacável, que o preconceito era mais contumaz e que a apatia era mais arraigada neles do que entre os próprios donos de escravos. Evidentemente havia exceções individuais à regra. Esse estado de coisas me afligiu, mas não me desencorajou. Eu me determinei, a todo custo, a levantar o estandarte da emancipação aos olhos da nação, às vistas do Bunker Hill2 e no nascedouro da liberdade. O estandarte está agora aberto; e que por muito tempo ele possa pairar, imune às deteriorações do tempo ou aos mísseis de um adversário desesperado - sim, até que todo grilhão seja destruído e todo escravo libertado! Que tremam os opressores do sul; que tremam seus cúmplices secretos; que tremam seus apologistas do norte; que tremam todos os inimigos dos negros perseguidos.

Eu julgo que a publicação de meu folheto original seja desnecessária, uma vez que ele obteve ampla circulação. Os princípios nele contidos serão firmemente seguidos neste jornal, a não ser pelo fato de que eu não me alinharei como partidário de homem nenhum. Ao defender a grande causa dos direitos humanos, eu desejo conseguir o apoio de todas as religiões e de todos os partidos.

Concordando com a "verdade auto-evidente" contida na Declaração de Independência americana, de que "todos os homens são criados iguais e dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis - dentre os quais figuram a vida, a liberdade e a busca pela felicidade", eu lutarei pela imediata libertação de nossa população escrava. Na Igreja de Park Street, no dia 4 de julho de 1829, num discurso a respeito da escravidão, eu irrefletidamente ecoei a popular doutrina da abolição gradual. Aproveito esta oportunidade para fazer uma completa e inequívoca retratação e para, assim, publicamente pedir perdão a meu Deus, a meu país e a meus pobres irmãos escravos por ter externado um sentimento de tamanha timidez, injustiça e absurdidade. Uma similar retratação, de minha caneta, foi publicada no Genius of Universal Emancipation em Baltimore, em setembro de 1829. Minha consciência agora está satisfeita.

Estou ciente de que muitos desaprovam a severidade de minha linguagem, mas não há motivo para severidade? Eu serei tão áspero quanto a verdade e tão inflexível quanto a justiça. Sobre este assunto, eu não desejo pensar, falar ou escrever com moderação. Não! Não! Diga a um homem cuja casa está pegando fogo para que ele dê um alarme moderado; diga a ele que resgate moderadamente sua esposa das mãos do estuprador; diga à mãe que gradualmente retire seu filho do fogo em que ele caiu - mas não me incite a usar a moderação numa causa como a presente. Eu estou seguro; eu não me equivocarei; eu não me desculparei; eu não recuarei uma polegada sequer; E EU SEREI OUVIDO. A apatia das pessoas é suficiente para fazer com que toda estátua caia de seu pedestal e para que se acelere a ressurreição dos mortos.

Pretende-se que eu esteja retardando a causa da emancipação por conta da aspereza de minha diatribe e pela precipitação de minhas medidas. Essa acusação não é verdadeira. Sobre esta questão, minha influência - humilde como é - é sentida em considerável medida, e deverá ser sentida nos anos por vir, não perniciosamente, mas beneficialmente; não como uma maldição, mas como uma bênção; e a posteridade dará testemunho de que eu estava certo. Eu desejo agradecer a Deus por ele permitir a mim desconsiderar "o medo do homem que traz um ardil" e falar a verdade em toda a sua simplicidade e força. E aqui eu me despeço com esta estimulante dedicatória:3
Opressão! Eu a vi à minha fronte, uma vez,
Vi seu cruel olho e sobrancelha nebulosa;
Mas não mais temo o destruidor d'almas qu'é sua luz brilhosa -
Pois pavor cede lugar a sentimentos d'altivez
De grande repugnância! Desdenhando, dos joelhos servis
Que a seu escabelo se flexionam, a desgraça
Também eu me ajoelho - mas outra é a promessa que me passa
Saúdo-a e às suas hordas mercenárias hostis: -
Eu juro, enquanto o sangue me esquentar as veias palpitantes,
Opor-me e impedir, usando das mãos e do coração,
Até rebentadas as correntes dos Africanos, à sua força brutalizante,
E até que a Liberdade reine no solo resgatado da nação, -
A Opressão e seu cajado férrico atropelando:
Tal é minha promessa - QUE DEUS ME AJUDE, PORTANTO!


Notas:

1 [N.T.] O Genius of Universal Emancipation foi um jornal abolicionista fundado por Benjamin Lundy. Na época, o Lundy havia mudado a publicação do jornal para Washington.

2 [N.T.] O Bunker Hill foi onde aconteceu uma das mais importantes batalhas pela independência dos Estados Unidos. Embora os britânicos a tenham vencido, sofreram enormes baixas.

3 [N.T.] Agradeço ao Gustavo por ter traduzido o poema e por tê-lo deixado com um aspecto de poema, o que não aconteceria se fosse eu quem tivesse feito o trabalho. O original era o seguinte:
Oppression! I have seen thee, face to face,
And met thy cruel eye and cloudy brow;
But thy soul-withering glance I fear not now --
For dread to prouder feelings doth give place
Of deep abhorrence! Scorning the disgrace
Of slavish knees that at thy footstool bow,
I also kneel -- but with far other vow
Do hail thee and thy hord of hirelings base: --
I swear, while life-blood warms my throbbing veins,
Still to oppose and thwart, with heart and hand,
Thy brutalising sway -- till Afric's chains
Are burst, and Freedom rules the rescued land, --
Trampling Oppression and his iron rod:
Such is the vow I take -- SO HELP ME GOD!
William Lloyd Garrison (1805-1879) foi um dos mais radicais e importantes abolicionistas americanos. Lutou por mais de trinta anos pelo fim da escravidão nos Estados Unidos através de seu jornal The Liberator e da American Anti-Slave Society.