Toda vez que leio uma coluna de John Stossel, acho que minha consideração por ele cai até o mínimo possível. Então leio a seguinte.
Por anos, Stossel admite a ideia de que “pró-mercado” e “pró-empresas” não são sinônimos. Ocasionalmente, ele dá algum exemplo de medidas de assistência às grandes corporações e aos ricos, como o Banco de Exportações e Importações ou os subsídios aos seguros de casas de veraneio. Porém, ele quase sempre não toca nos maiores problemas inerentes ao capitalismo corporativo americano (que, para Stossel, está muito bem, obrigado, do jeito que está, e estaria muito melhor se o governo o deixasse em paz). Seu último exemplo das maravilhas de um mercado livre e competitivo é — veja só — a indústria farmacêutica (“Capitalism Spurs Medical Innovation“, Reason, 20 de maio). Aquele grito que você pode ouvir ao fundo, bem longe, é o último vestígio da credibilidade de Stossel morrendo.
Depois de anos passados como membro político da família que (pigarros) “defendia o livre mercado”, o irmão de Stossel, Tom, finalmente encontrou uma questão política que o torna apaixonadamente favorável ao “livre mercado”. Qual é essa questão? Bom… é quando as pessoas criticam a indústria farmacêutica. Sim, é isso mesmo que você leu: a indústria farmacêutica — um dos setores mais subsidiados, protegidos e cartelizados da economia, atrás possivelmente só dos contratados pelo exército — é o garoto-propaganda das maravilhas da liberdade econômica. E são os críticos desse ícone do individualismo que finalmente acenderam o fogo ideológico de Tom Stossel.
Entre seus absurdos: Stossel dá o exemplo de um medicamento contra o câncer que manteve uma pessoa viva por quinze anos, mas custa US$ 123.000 por ano. “Esse custo (…) parece insano, especialmente porque os ativistas afirmam que o governo financia as pesquisas científicas. Mas trata-se de uma mentira. Oitenta e sete por cento das novas drogas são descobertas pelo setor privado; apenas 13% advêm das pesquisas do setor público”.
Primeiramente, a condução “privada” da pesquisa e o financiamento governamental são duas coisas inteiramente distintas. Ao misturá-los, é impossível levar a sério o resto do que Stossel diz. Em segundo lugar, os créditos tributários para pesquisa e desenvolvimento — os que as empresas ganham mesmo que não paguem impostos — compõem praticamente metade de toda a pesquisa e desenvolvimento das farmacêuticas. Isso é outro tipo de financiamento estatal.
Quanto aos medicamentos que realmente foram desenvolvidos em sua maior parte dentro dos 13% de financiamento direto, por lei do Congresso as patentes são concedidas a empresas que as vendem para que elas possam cobrar preços astronômicos — mesmo que não tenham custeado seu desenvolvimento.
Stossel também menciona o custoso regime de testes, a que somente esse “vilificado setor tem a paciência e o interesse para se submeter”. Seria de se imaginar que as empresas farmacêuticas são vítimas indefesa desse processo, não beneficiárias e instigadoras dessa enorme barreira de entrada que mantém somente as corporações gigantescas dentro do jogo e reduz a concorrência de preços.
Além disso, Stossel não menciona que a maior parte da pesquisa não é feita para desenvolver novas drogas, mas para alterar as que já existem o suficiente para que sejam repatenteadas. E mesmo no caso de medicamentos genuinamente novos, a maior parte dos testes ocorre para assegurar patentes sobre as maiores variações possíveis e não para testar a versão que será vendida.
De qualquer forma, são as patentes — não o custo de produção — que governam os preços dos remédios. As empresas podem cobrar o preço mais alto suportado pelo mercado porque têm um monopólio sobre a venda de qualquer droga em particular — algo tão protecionista quanto qualquer tarifa.
Stossel afirma que confia mais nos incentivos do “livre mercado” e da “concorrência” em vez do governo para manter as pessoas felizes e saudáveis. Porém, o modelo de negócios da indústria farmacêutica — o mesmo modelo de negócios de maximização de custos e lucros garantidos que é empregado no fornecimento de serviços básicos e nos contratos militares — está tão longe do livre mercado quanto possível.
Parafraseando o que Arthur Chu afirmou no Twitter semanas atrás, em resposta àqueles que zombam de manifestantes que denunciam o capitalismo enquanto carregam iPhones , o capitalismo — nem qualquer outro ismo — não produz nada. É o trabalho, o esforço e a criatividade humanos que produzem as coisas sob todos os ismos ao longo da história. Os ismos apenas determinam quem será pago.
E a indústria de medicamentos é um exemplo claro desse fenômeno. As empresas ativamente impedem a colaboração horizontal e o compartilhamento de informações que estão no cerne do progresso científico através de segredos industriais, labirintos burocráticos e acordos de não-divulgação. Você pode acreditar que os pesquisadores que de fato desenvolvem medicamentos — e então cedem as patentes aos empregadores — não veem grande parte do dinheiro.
As corporações farmacêuticas não têm a ver com pesquisa e descoberta. Elas existem para extrair rendas através da pesquisa e da descoberta com o auxílio das armas do governo que protegem seus monopólios protecionistas.
Longe de serem aliadas do livre mercado, as empresas de medicamentos são seu inimigo mortal. E John Stossel também se mostrou seu inimigo.