O delator da Agência de Segurança Nacional (NSA) dos Estados Unidos Edward Snowden continua a ser motivo de grande preocupação nas notícias mundiais. Revelações do baú de dados que ele abriu aos jornalistas aparecem quase semanalmente, seguidas por negações e desculpas de políticos e burocratas que ele expõe como responsáveis por violações de direitos em todo o mundo. Citizenfour, um documentário que cobre suas ações heroicas em benefício do público, acaba de ganhar o Oscar de melhor documentário.
É fácil se perder nas minúcias das revelações individuais de Snowden. Não há nada de errado com isso. Cada revelação nos mostra algo importante sobre aqueles que nos governam. Mas existe algo mais além dos detalhes. Há o panorama geral que devemos analisar.
Em 23 de fevereiro, numa discussão em seu “Ask Me Anything” (“Pergunte-me qualquer coisa”) no Reddit, Snowden resumiu bem esse panorama: “Nós, o povo, implementaremos sistema que nos darão meios não apenas para proteger nossos direitos, mas também para impedir que os governos intervenham nesses direitos” (ênfase do próprio Snowden).
O jogo inteiro está resumido aí, pessoal. O propósito do governo político jamais foi, como afirma a Declaração de Independência dos Estados Unidos, “assegurar estes direitos [vida, liberdade e a busca pela felicidade (…) derivando seus poderes justos do consentimento dos governados”. O propósito do governo político sempre foi o monopólio das violações de direitos e o uso dessas violações para redistribuir poder, controle e riqueza de você para a classe política.
Muitos — talvez a maioria — de nós não entendem esse processo. Às vezes, o próprio Snowden não parece compreendê-lo. Mas os políticos conhecem o sistema instintivamente.
Quando os potentados e seus lambe-botas em pânico choram que pessoas como Snowden torna mais difícil que eles nos “protejam”, o que querem dizer é que pessoas como Snowden destravam e abrem as portas das jaulas em que estamos presos.
Os políticos não temem que criminosos entrem, mas que nós escapemos. Pior, eles temem que, assim que sairmos, nós perceberemos que nunca precisamos deles. Temem que os trapos finais das roupas do rei — a noção de que o estado é um “mal necessário” — desapareça e nos revele toda a nudez da desnecessidade desse mal. E seu medo é totalmente justificável.
Julian Assange, Chelsea Manning e Edward Snowden (entre outros; Barret Brown e Ross Ulbricht tabém merecem menção) conquistaram seu espaço como figuras centrais no panteão da liberdade humana. Serão reverenciados um dia (de fato, já são em muitos grupos) como Thomas Paines modernos.
O trabalho de Paine derrubou o Império Britânico em um pequeno canto da Terra; ele também inspirou a revolução na França. Seus efeitos se reverberam em mais de dois séculos de história até hoje. Snowden e os outros estão no caminho para completar a missão de Paine, derrubando o modelo de governo preferido pela classe política nos últimos 400 anos, o estado-nação westfaliano.
A grande transformação iniciada por Snowden está em andamento e não pode ser impedida. E merece todo o nosso apoio.