No dia 18, a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 215, que pretendia mudar o regime de demarcação de terras indígenas que as tornaria dependentes de aprovação dos políticos no Congresso Nacional, foi arquivado na Câmara dos Deputados.
Infelizmente, isso não significa que a posse indígena esteja protegida do governo no Brasil. Basta ver como o governo federal tem tratado a resistência do povo indígena mundurucu, no estado do Pará, à construção da hidrelétrica São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós, que provocará um alagamento de mais 700 mil km² nas terras onde vivem e que é a primeira usina de um total de cinco.
Apesar da previsão constitucional de que o governo brasileiro deve reconhecer a posse dos povos indígenas de suas terras e recursos naturais, essa comunidade nunca teve suas terras demarcadas e, agora, corre o risco de perdê-las em nome do “interesse nacional”. Assim, os índios mundurucu da comunidade indígena afetada Sawré Muybu foram forçados à ação direta e autodemarcaram suas terras.
Paralelamente, já foi determinado na justiça que a não-demarcação das terras dessa comunidade é ilegal e que a Fundação Nacional do Índio deve completá-lo. Um documentário produzido por Nayana Fernandez conta a história de resistência dos mundurucus.
A crônica desses indígenas é uma história constante de inúmeras etnias minoritárias ao redor do globo: projetos de desenvolvimento dos governos centrais repetidamente expulsam comunidades das terras que habitavam tradicionalmente, sem consulta nem compensação satisfatórias.
Como se pode aceitar que comunidades inteiras sejam deslocadas das terras de seus ancestrais, muitas delas tidas como sagradas, e de todo um modo de vida, por uma decisão de uma suposta autoridade que afirma que isso vai ser bom para o “desenvolvimento nacional”? Como pode ser justo um sistema onde direitos são permanentemente negados (ou lentamente reconhecidos) às minorias enquanto há muita eficiência para planejar empreendimentos do interesse de políticos e grandes corporações?
Não é de hoje que o desenvolvimentismo brasileiro pretende alcançar o progresso e o desenvolvimento, conforme definidos pelos políticos e burocratas em Brasília às custas dos direitos de minorias à posse de suas terras e recursos naturais. Uma região brasileira convenientemente suscetível para os desmandos desenvolvimentistas é a Amazônia, dado o potencial energético de seus rios, para a construção de hidrelétricas para fornecer energia subsidiada para o complexo industrial do Sul e do Sudeste.
Por trás do discurso do desenvolvimento nacional, temos o favorecimento de algumas regiões do país em detrimento das outras e de algumas partes da sociedade em detrimento de outras, conforme a estratégia formulada centralmente pelo governo federal.
A abstração da nação é uma retórica que camufla o tratamento desigual às diferentes regiões, o que é mais fácil de ocultar no caso amazônico, com sua baixa densidade demográfica e menor população comparativamente às outras regiões, o que significa menor peso político em uma democracia majoritária. A Amazônia está para o Brasil como a Sibéria está para a Rússia, eternamente subordinada e distante do desenvolvimento “brasileiro”.
A liberdade das minorias — e de toda população amazônica — jamais estará segura enquanto esse tipo de ideologia desenvolvimentista continuar a dar as cartas em Brasília.