Eleitores de políticos como o candidato à presidência Aécio Neves, assim como muitos apoiadores do PSDB de forma geral, se surpreendem pela falta de impacto de ideias atreladas à “eficiência” do setor público, que buscam um “choque de gestão” e a “profissionalização” do governo. É um pensamento moderadamente disseminado, que também era encabeçado no governo de Pernambuco (mais como manobra de campanha do que como política efetiva, vale ressaltar) por Eduardo Campos, morto no último dia 12 de agosto. No fundo, a crença é de que existe — ou ao menos deve existir — uma separação vital entre administração pública e política; entre ideologia e eficiência. Contudo, a ideia de profissionalizar a política, de colocar “técnicos” nos cargos públicos, de “gerir” a coisa pública como se fosse uma firma convencional é, em si, profundamente ideológica.
E não é das ideologias mais novas: Thorstein Veblen já acenava com sua tecnocracia de engenheiros nos anos 1920. Veblen, em seu conhecido The Engineers and the Price System (“Os engenheiros e o sistema de preços”, em português) colocava os engenheiros (“técnicos”) como a classe capaz de promover os princípios da “gerência científica” para a produção — em contraposição a um sistema de mercado, com sinalização livre de preços. Veblen não tinha quaisquer problemas com o modo organizacional corporativo e pretendia universalizar a corporação como instituição base da sociedade, eliminando qualquer limitação técnica à operação do que ele chamava de “valores industriais”, que estavam ligados à eficiência produtiva (que, necessariamente, estavam em contraposição aos incentivos de mercado, para ele).
As ideias veblenianas de promoção da indústria e da técnica eram especificamente defendidas por ele porque seriam o ponto de partida de uma sociedade de produção massificada. Essa sociedade e seus valores dariam origem, através dos trabalhadores industriais, a uma nova democracia, com um novo estilo de gerência voltado para a eficiência, para a técnica e para a gestão. Ou seja, uma máquina perfeitamente adaptada ao controle e à regulação da sociedade.
Esse ideal social um tanto distópico conseguiu angariar adeptos e se modificar levemente ao longo do século 20 nos trabalhos de progressistas managerialistas, como Joseph Schumpeter e John Kenneth Galbraith. Hoje em dia, encontra eco em políticos que pensam estar gritando com a voz da inovação ao afirmar que os especialistas devem ocupar os cargos estatais. É uma ideologia conveniente também para burocratas porque ela não pergunta se posições devem existir, mas quem deve preenchê-las. Não é se devemos ser governados, mas quem deve nos governar. Quem nós poderíamos querer para ocupar o Trono de Ferro além de um “especialista”? Alguém que se levasse não pelos valores político-ideológicos, mas pelos “valores industriais” de que falava Veblen. Alguém para aplicar óleo nessa grande e bela engrenagem que é a sociedade.
Tudo isso é um completo absurdo, é claro, porque quando falamos de política, falamos de ideologia — falamos de priorização, de colocar um fim coletivo como preferível em relação a outro. Porém, não há objetivos sociais no âmbito macro, a não ser como soma das partes individuais ou como metáfora. Por isso também não há a possibilidade de colocar a gestão pública a cargo de especialistas, porque a própria definição do que é a “gestão pública” é uma questão ideológica passível de negociação política e resistência.
Não é possível tirar a ideologia do que compõe o governo porque o governo é uma ideologia: é a ideologia do poder, do controle e a da supressão da dissidência. É a ideologia da conformidade, do macrossocial, da ideia de sociedade como construção completamente abstrata e não como redutível a suas partes individuais.
Governar, longe de ser a ausência de planos e ideologias, é a costura de planos ideológicos majoritários dentro de uma hierarquia. Não à toa, os movimentos anarquistas historicamente tendem ao horizontalismo e ao consensualismo para evitar a formação de maiorias e ao enrijecimento de estruturas de poder burocráticas. São justamente essas ideias horizontais que pretendem mitigar os efeitos de ideologias particulares aplicadas sobre o coletivo. Em contraste, a tecnocracia não passa de um despotismo esclarecido, com sua tentativa de racionalizar processos. É claro que é positivo que os processos socialmente desejáveis sejam eficientes e gastem menos recursos; mas primeiro nós precisamos saber quais são esses processos desejáveis.
Não deixa de ser um tanto irônico que sejam políticos carreiristas os maiores (e talvez mais cínicos) defensores do credo tecnocrata. O próprio Aécio Neves, apesar de suas juras de amor à eficiência pública, se tem qualquer especialidade é em se posicionar dentro do aparato estatal: já foi diretor da Caixa Econômica Federal, secretário da presidência, deputado, governador, senador.
Pode ser que Aécio Neves atualmente seja só um fantoche da narrativa que construiu para si mesmo, que ele reproduz como refém de sua retórica. Porque Aécio nunca foi técnico; os técnicos são apenas o braço de execução dos seus planos políticos.