Condenado em 1994 pelo abuso sexual de um garoto, John Henry Skillern, do Texas, está novamente preso e aguarda julgamento, desta vez por posse e produção de pornografia infantil. A prisão de Skillern é cortesia do Google. Poucos, espero eu, devem derramar lágrimas por Skillern, dadas as suas acusações de crimes sexuais. Contudo, seu caso novamente coloca o Google sob os holofotes, mostrando que é um braço dos “agentes da lei”.
O Google não faz segredo do fato de que “analisa o conteúdo” de emails enviados e recebidos em seu serviço Gmail, na maior parte das vezes para publicar anúncios para usuários com a maior probabilidade de clicar neles. É assim que o Google ganha dinheiro — rastreando os usuários de seus serviços “gratuitos”, analisando o que fazem e vendendo os olhos deles para os clientes.
A maioria das pessoas também compreende que o Google, como afirmado em sua política de privacidade, “comparilhará informações pessoais (…) para cumprimento de leis, regulações, processos legais ou requerimentos governamentais”. Se os policiais aparecerem batendo na porta com um mandado, o Google coopera com a busca e a apreensão de suas informações e registros de suas ações.
Mas o Google vai ainda mais longe. As políticas do Gmail afirmam inequivocamente que, entre outras coisas, o “Google tem uma política de tolerância zero em relação a imagens de abuso sexual infantil. Se percebebermos a existência desse tipo de conteúdo, entraremos em contato com as autoridades e podemos tomar ações disciplinares, inclusive o término da prestação dos serviços das contas Google dos envolvidos”.
Enquanto anarquista de mercado, minha resposta visceral ao caso Skillern é “justo — eram os termos de serviço com que ele concordou quando fez sua conta no Gmail”.
Mas há um abismo entre “nós vamos deixar o governo olhar as suas coisas se eles insistirem” e “nós vamos ficar de olhos abertos vigiando coisas que o governo possa querer ver”. Esta última posição, em questões de privacidade, é o começo de caminho muito perigoso.
Quais os perigos? Bem, considere o interesse do Google na “geolocalização” (saber onde você está e na “internet das coisas” (conectar até a torradeira, o ar condicionado e o seu carro à internet, com o Google como intermediário).
Não está fora de questão que o Google, no futuro, enquanto você dirige pelas ruas, rastreie sua localização e alerte automaticamente as autoridades se perceber que você está dirigindo a 65 km/h em uma área de 60 km/h.
Pensa que isso não pode acontecer? Pense de novo. Em vários locais, multas são automaticamente enviadas a supostos violadores de condutas de trânsito pegos por câmeras. Não é necessário nem mesmo um guarda de trânsito. É uma das fontes de lucro para o governo — e para as empresas que instalam e operam câmeras no trânsito. Caso você não tenha percebido, o Google gosta muito de lucrar através da geração de informação.
Lembre-se de que você é um criminoso. Sim, de verdade. Se você mora nos Estados Unidos, de acordo com o livro de Per Harvey Silverglate Three Felonies a Day, o americano médio viola pelo menos 3 leis federais a cada período de 24 horas. Quer apostar na probabilidade de que a evidência desses “crimes” possa ser detectada em seu arquivo de email?
Em grande parte, a internet tornou obsoletas nossas velhas concepções sobre privacidade e sobre qual o grau de privacidade que podemos esperar dela. Pessoalmente, eu estou satisfeito com isso — estou mais do que disposto a deixar o Google analisar meus dados pessoais para fazer anúncios melhores para me mostrar em troca de seus serviços “gratuitos”. Por outro lado, eu gostaria que houvessem alguns limites. E acho que o mercado é capaz de estabelecê-los.
Três mecanismos de limitação de mercado que me ocorrem são a criptografia “end-to-end”, serviços de ofuscamento da localização geográfica e a relocação de servidores em países com maior respeito pela privacidade e menos medo de governos poderosos como o dos Estados Unidos. Se o Google não pode ou não tem interesse em prover esses serviços, outros o farão (na verdade, vários já o fazem).
O mecanismo político convencional para limitar os maus atores políticos como o Google seria uma legislação que proíbe empresas de internet de “procurar e relatar” qualquer coisa sem que haja um mandado governamental e causa provável para acreditar que um crime foi cometido. Esses mecanismos políticos, porém, não funcionam. Como a exposição das ações ilegais da Agência Nacional de Segurança dos EUA por Edward Snowden mostrou, o governo simplesmente ignora as leis de que não gosta.
Ao invés de buscar soluções políticas, eu sugiro uma quarta solução de mercado. A abolição do estado. O problema não é tanto o que o Google registra ou analisa. Essas coisas são apenas acordos entre o Google e os usuários. O problema é a quem o Google pode repassar as suas informações.