Periodicamente, a queda persistente da confiança dos americanos no governo que ocorre desde a década de 1950 causa consternação dentro da centro esquerda. A apresentadora de talk show de rádio Leslie Marshall recentemente publicou um tweet, muito preocupada, sobre uma pesquisa que apontava que a porcentagem do público que confia no governo para “fazer a coisa certa” na maior parte do tempo ou “quase sempre” estava em 19% em 2013 (para dar um contexto, o pico porcentual ocorreu em 1965, com 77%). Ela apontava para um artigo de Julian Zelizer na CNN que lamentava a pouca fé no governo (“que é necessária para uma sociedade saudável”), afirmando que se trata de uma herança cultural da Guerra do Vietnã e do escândalo de Watergate e defendendo reformas políticas para combater a corrupção, restaurar a confiança do público e tornar o sistema político, mais uma vez, funcional.
Mas o que significa “funcional”? Sob que tipo de governo os americanos viviam em 1958 (quando a confiança do público estava em 73%) ou em 1965 (77%) antes que o Vietnã destruísse sua fé? Samuel Huntington, que compartilhava a preocupação de Zelizer com o declínio da confiança no governo, o descreveu bem em 1973, em um artigo para a Comissão Trilateral sobre a “crise de governabilidade” e o “excesso de democracia”. Para Huntington, o papel dos Estados Unidos no pós-guerra como “poder hegemônico na ordem mundial” dependia de um sistema doméstico de poder. Nesse sistema, os Estados Unidos “eram governados pelo presidente com o apoio e a cooperação de indivíduos-chave e grupos dentro do executivo, da burocracia federal, do congresso e nas empresas, bancos, firmas legais, fundações e veículos de mídia, que constituem o establishment privado”.
Os altos níveis de confiança pública, como naqueles bons e velhos tempos antes do Vietnã e de Watergate, eram necessários para manter esse sistema de poder estável. O papel adequado dessa hegemonia global, afirmava Huntington, requeria a capacidade de o estado “mobilizar, disciplinar e sacrificar seus cidadãos” em busca de objetivos sociais e políticos — o que requeria que os americanos confiassem no governo e não tentassem ver de muito perto o que de fato ele estava fazendo.
E o que ele fazia quando a confiança era tão alta? Logo que saiu da Segunda Guerra Mundial como potência global, os Estados Unidos começaram a recorrer a invasões diretas, golpes militares e esquadrões da morte quando os países se recusavam a cooperar com a ordem corporativa pós-guerra.
O tão exaltado “New Deal”, além de promover suficiente demanda agregada para estimular uma produção econômica massificada baseada no desperdício, também era uma maneira de alcançar o tipo de aprovação pública de que Huntington tanto sentia falta. “Finja que não está vendo quando nós derrubarmos Arbenz, Mossadeq, Sukarno e Diem e você poderá ter um tripex e um carro novinho!”
Eu me recordo muito bem do momento desde Watergate em que a confiança do público de que o governo “faria a coisa certa” passou dos 50%: 11 de setembro. O congresso deu a George W. Bush uma carta branca para lutar em qualquer lugar do muno para sempre e amém, em conjunto com poderes de estado policial que rivalizavam os de Hitler após o incêndio do Reichstag. O conhecido observador Dan Rather dizia na época: “Só me diga onde eu tenho que me apresentar, Sr. Presidente.”
Então, por que qualquer pessoa confiaria no governo dos Estados Unidos? Ele é a ferramenta da classe econômica dominante desde que os grandes mercadores, donos de títulos, barões de terras e senhores de escravos da Filadélfia o criaram. No pico da confiança do governo, ele promovia torturas, assassinatos, terrorismo e tirania para defender sua ordem mundial neocolonial — e ele nunca deixou de fazer isso. O estado tira vantagem sempre de qualquer aumento na confiança pública para aumentar suas atividades criminosas.
Portanto, talvez a desconfiança do governo não seja uma coisa tão ruim.