Líderes da Igreja Católica, desde o cardeal Maradiaga até o próprio Papa Francisco, estamparam as manchetes ao longo do ano por criticarem supostas economias de livre mercado. De acordo com eles, trata-se de uma forma de idolatria que explora e exclui os pobres. A doutrina social católica enfatiza o compartilhamento e a ajuda aos menos afortunados e, por isso, clérigos como Oscar Maradiaga têm como alvo o que percebem como “causas estruturais da pobreza”.
Porém, ao identificar essas causas, os ataques do cardeal contra a liberdade de mercado se tornam problemáticos. Embora sejam compreensíveis as preocupações sobre o relacionamento entre ricos e pobres, sua fé nas intervenções positivas do estado é que são “enganosa”. Ironicamente, o “livre mercado” denunciado com tanto empenho por Maradiaga é produto de profunda e contínua coerção estatal, numa escala pouco reconhecida. Devemos, portanto, distinguir entre dois empregos da expressão “livre mercado”, para que não caiamos na armadilha que vitimou Maradiaga – a armadilha de se opor ao libertarianismo em princípio sem compreender de fato o sistema que ele prescreve.
Os mercados livres não precisam ser a encarnação da dominação corporativa mundial que testemunhamos atualmente. Para a tradição anarquista individualista, de fortes raízes nos Estados Unidos, o livre mercado era simplesmente a troca voluntária entre indivíduos soberanos, com direitos e liberdades iguais. Se aplicado de forma consistente, esse sistema levaria à distribuição da riqueza e das propriedades de forma mais igualitária, como alegavam os anarquistas, o que efetivamente acabaria com a exploração dos trabalhadores pobres.
Muitos defensores libertários atuais do livre mercado ainda incorporam essa tradição, argumentando que o libertarianismo não pode ser uma defesa do capitalismo corporativo ou de algum outro eufemismo retórico para descrevê-lo. Para nós, o livre mercado é um sistema em que os indivíduos podem fazer o que quiserem dentro das fronteiras estabelecidas pela igual liberdade dos outros – isto é, todos os indivíduos estão em pé de igualdade enquanto agentes que podem abrir seus próprios negócios, se apropriar de bens ou vender seu trabalho e seus produtos.
Sem os subsídios sistemáticos às grandes empresas, a profusão de novas oportunidades para a independência individual e o auto-emprego significariam uma mudança drástica no poder de barganha dos trabalhadores. As grandes corporações não teriam mais a prerrogativa de oferecer baixos salários para “pegar ou largar”, porque os indivíduos poderiam escolher sem tantas consequências negativas “largar”. Com os monopólios à terra garantidos pelo governo desintegrados, com a abolição das barreiras regulatórias e de licenciamento, com a emissão livre de moedas alternativas concorrentes, nenhuma empresa poderia crescer ou se tornar mais influente sem o serviço adequado a seus consumidores.
É isso que muitos libertários querem dizer quando falam sobre o livre mercado. Não somos apaixonados pelo poder corporativo e pela realidade do capitalismo global como supõem o cardeal Maradiaga ou aqueles da esquerda políticas – muitos de nós são muito mais críticos do sistema econômico vigente que qualquer pessoa na esquerda progressista mainstream. Se de fato houver algum problema nas narrativas libertárias contemporâneas, ele se encontra em sua defesa inconsistente dos princípios de livre mercado, não em sua devoção “férrea” e “radical” a elas.
Há poucas dúvidas de que o cardeal Maradiaga seja bem intencionado e que suas preocupações a respeito da desigualdade de renda e sua compaixão pelos necessitados sejam genuínas. Porém, a oposição libertária à agressão em todas as suas formas – inclusive a ações estatais “legítimas” – não é contrária a essas preocupações.
A pobreza e a exploração sistêmicas dependem da agressão. Os católicos devem ter cuidado com a caracterização de Maradiaga do libertarianismo como apologia à ganância e à destituição econômica. Se fosse isso, a maioria dos libertários que eu conheço o oporiam também.