Eric Blattberg, no site VentureBeat, relata que a fabricante de carros elétricos Tesla passará a permitir que todos explorem suas inovações. “A Tesla não processará aqueles que, de boa-fé, desejam utilizar nossas tecnologias”, afirma o diretor executivo da empresa Elon Musk.
Acredito que a importância das patentes na concentração da indústria automotiva seja superestimada. Há precedentes legais que favorecem sistemas abertos de reposição de componentes de carros. Qualquer pessoa tem a liberdade para fabricar um componente que substitua parte de um sistema patenteado sem, assim, infringir a patente. Além disso, a maior parte das patentes automotivas é relativa a detalhes que os concorrentes podem facilmente contornar. E, no entanto, a indústria automobilística continua extremamente concentrada, devido a legislações de padronização, segurança e emissão de poluentes.
Musk minimiza o interesse dos grandes atores da indústria automotiva na propulsão elétrica. Todos os maiores grupos possuem programas já prontos para produzir carros movidos a eletricidade, aguardando apenas as regulamentações necessárias para protegê-los da entrada em massa de novos concorrentes. É uma ação coreografada: como já afirmei anteriormente (de forma aparentemente um tanto controversa), os principais grupos industriais desejam mudanças, mas mudanças específicas em momentos específicos. Se a mudança não estiver programa, ela deve ser destruída — embora eu acredite que carros elétricos estejam no roteiro. Eles têm muitos benefícios do ponto de vista do capitalismo corporativo — muito mais benefícios, penso eu, do que possuem do ponto de vista ecológico.
Primeiramente, a nova tecnologia elimina toda a necessidade de trabalho especializado para montagem de motores de combustão interna. Elimina também toda a variabilidade de componentes que faz com que os consumidores se sintam tentados a aprender detalhes tecnológicos sobre seus automóveis. O carro elétrico tem um potencial gigantesco para se tornar um carro descartável e, portanto, deve ser parte dos planos dos fabricantes já estabelecidos. O uso crescente de componentes eletrônicos digitais nos carros também os torna mais permeáveis à tradição legislativa de “propriedade intelectual” sobre software, que é muito mais onerosa que a propriedade intelectual sobre componentes automotivos.
Obviamente a Tesla está muito mais próxima do modelo dos grandes fabricantes de carros do que das redes descentralizadas de fabricantes locais de componentes e de montadoras, como eu vislumbro. Duas fábricas em dois continentes e produção de três dígitos semanal caracterizaria a Tesla como plutocrática nos anos 1920. Ela não é exceção aos requisitos estatais de produção em massa — ou não seria tolerada pelo estado, especialmente não na Califórnia. A propulsão elétrica os libera das regulamentações sobre motores de combustão interna — essa é a brecha legal que os permite operar —, mas seus produtos continuam sujeitos a todas as regulamentações de segurança, inclusive a legislações anti-modificações e a testes obrigatórios caríssimos.
É interessante nos perguntarmos por que a Tesla está abrindo mão dessas patentes, dado que muitas delas são relativamente inócuas. A empresa obviamente quer se colocar no papel de herói oprimido e afetar solidariedade ao movimento open source, embora opere em uma indústria praticamente proibida de adotar métodos open source de forma significativa. O código aberto se torna trivial quando está sujeito à padronização requerida pelo regime atual. A falta de diversidade e flexibilidade resultante é análoga à diferença entre a democracia representativa (que consiste, basicamente, em votar naquelas mesmas coisas que todos teremos que fazer) e a anarquia (que consiste, basicamente, em todos fazermos o que desejamos, da forma que preferirmos e quando quisermos). Assim, mudanças tecnológicas não serão capazes de mudar a indústria de automóveis. Somente mudanças políticas poderão fazer isso. A própria existência da Tesla a denuncia.
A percepção comum de que o uso da eletricidade é ecologicamente benéfico vai de encontro ao consenso nos círculos de energia alternativa, segundo os quais a eletricidade é uma fonte de energia cara que deve ser reservada para a iluminação, para comunicações e pouco mais que isso. É cada vez mais fácil perceber a popularização dessa ideia: as pessoas acreditam honestamente que vasos sanitários elétricos usam menos energia que aqueles que não têm conexões elétricas; acreditam honestamente que fogões inteiramente elétricos sejam só questão de tempo. Essa percepção não se difundiu naturalmente.
A Tesla não tem tanto capital assim, mas outras companhias têm. A Tesla não é a única empresa interessada na análise segundo a qual 90 de cada 100 milhões de carros produzidos anualmente não são elétricos, em vez da adoção mais sensata da ideia de que o problema é que esses 90 milhões de carros a mais são necessários em primeiro lugar para satisfazer as demandas de um cenário de mobilidade artificial. Fora dessa situação artificial, de tráfego intenso, paradas frequentes, ruído, vigilância intensiva e altos investimentos em infraestrutura, eu afirmo que o carro elétrico não possui quase nenhuma vantagem.