Em Propriedade privada: quando e por quê, Joseph S. Diedrich afirma: “A propriedade privada é, no máximo, um conceito neutro; dadas as condições naturais, ela pode ser tanto boa quanto ruim”. Embora a princípio eu tivesse discordado dessa posição, acredito que após esclarecimentos de Joseph, estou de pleno acordo com ela. Para determinar se o conceito de propriedade é válido, precisamos analisar os fatos externos primeiramente. Esse parece ser o ponto principal que a crítica de Joseph tenta enfatizar para que saibamos quando a propriedade é legítima.
Seria estranho, afinal, após uma construção ética rigorosa, dizer que a propriedade sobre qualquer coisa é legítima. Acho que fiz isso em minha primeira resposta por não ter incluído um trecho sobre a teoria libertária. Isto é, a propriedade sobre bens externos é legítima e é uma extensão da auto-propriedade somente no caso de bens escassos.
Não é possível se apropriar ou adquirir um bem que seja superabundante como o ar. Uma teoria de propriedade adequada deve levar em conta o fato de que existem bens escassos e não-escassos. Eu não poderia afirmar que uma certa “área” do ar seja minha por direito, uma vez que não se trata de algo que seja escasso. Como diz Murray Rothbard em Man, Economy, and State, o ar é, “na maior parte das situações, um bem em abundância ilimitada. Portanto, ele não é empregado como meio escasso para atingir objetivos. (…) O ar, embora indispensável, não é um meio, mas uma condição geral da ação e do bem estar humano”.
O ar e outras coisas superabundantes não são bens no sentido econômico, eles simplesmente existem. Portanto, não são sujeitos à apropriação. Isto é, não podem se tornar propriedade. Suponhamos que vivêssemos na nave Enterprise e tivéssemos acesso a um replicador, uma máquina que criasse o que quiséssemos do nada, a custo zero (além dos poucos segundos que ela levaria para funcionar). No mundo de Jornada nas Estrelas, tudo existe em superabundância (tecnicamente, nem tudo, já que o replicador não é capaz de criar organismos vivos ou matéria negra, mas pode criar qualquer outro bem econômico que conhecemos).
Uma vez que eu usasse o replicador para criar uma deliciosa pizza para o meu almoço e a como, me parece que ela seja por direito minha. Se Warf aparecesse e tentasse tomá-la de mim, acredito que isso seria, efetivamente, um roubo. Em certo sentido, essa pizza é, por direito, minha, já que eu a tornei parte de meu projeto corrente. Contudo, Warf é capaz de usar o replicador e fazer sua própria pizza, ou o que quer que seja que os Klingons comam. Não há conflito, uma vez que os recursos não são escassos (ignore, para os propósitos desta discussão, a escassez ou disponibilidade do próprio replicador).
Esse é exatamente o argumento de Joseph. Sem a existência da escassez de bens, o conflito é impossível e a noção de propriedade perde o sentido. Com isso, ele é capaz de elaborar um argumento contra a propriedade intelectual: “A propriedade privada é, no máximo, um conceito neutro; dadas as condições naturais, ela pode ser tanto boa quanto ruim.” A teoria da propriedade é a seguinte: as pessoas têm direitos a bens externos escassos através de sua transformação pelo trabalho, tornando-os parte de seus projetos. Essa é a parte que se preocupa com a ética normativa.
Devemos analisar com maior profundidade cada situação específica para aplicar esta teoria, utilizando a ética aplicada. Devemos primeiro determinar o que é ou não é escasso no mundo real antes que possamos saber a que os direitos de propriedade se aplicam. Pizzas e revistas em quadrinhos são bens escassos e podem ser transformados em propriedade legítima. O ar e ideias são bens superabundantes que não podem ser adquiridos como propriedade legítima. No mundo de Jornada nas Estrelas, por conta das “condições naturais” (embora o replicador não seja efetivamente natural), a propriedade em bens externos não faz sentido. Em nosso mundo, a propriedade externa é um conceito válido, uma vez que existem bens escassos, mas também há coisas a que ela não se aplica.
Em última análise, acredito que eu e Joseph estejamos em completo acordo nesta questão. Foram apenas necessários alguns esclarecimentos para que eu percebesse. A questão não gira em torno de argumentos consequencialistas ou deontológicos para justificar a propriedade sobre bens externos. A questão é olhar para o mundo real e saber onde existem propriedades válidas. É concebível que exista um mundo em que não existam propriedades válidas: um mundo de superabundância. Um mundo em que eu viva na Enterprise. Contudo, podemos apenas sonhar com esse mundo. A escassez é um fato de nosso mundo. E Joseph e eu concordamos que a propriedade só se aplica a objetos escassos.