Em 1997, o estado de Nova York, nos Estados Unidos, declarou guerra às reservas da Nação Seneca localizadas ao norte, próximas a Tonawanda. O conflito se devia a um pretenso direito que o estado tinha para cobrar impostos sobre bens vendidos nas reservas nativas. Para exercer esse direito, Nova York fechou empresas de nativos e cortou o suprimento de petróleo e cigarros para os senecas.
Em resposta a essa declaração de guerra, os nativos e seus apoiadores bloquearam o tráfego sobre suas terras e armaram um bloqueio na rodovia Interstate 90 e na Rota 17. Policiais foram confrontados, pneus foram queimados e colocados na rua e o tráfego foi prejudicado para que a injustiça das ações do estado ficasse aparente, com a exibição de cartazes e a distribuição de panfletos para os motoristas incomodados.
A resistência valeu a pena e as ações do governo de Nova York foram suspensas, ao menos temporariamente. Os senecas venceram. Não venceram por lobby, protestos pacíficos ou apelo ao direito inerente às terras, mas pelo confronto direto com o governo, que reclamava direitos sobre suas terras e riquezas.
Agora, voltemos nossa atenção para Nevada, nos dias atuais, para uma guerra diferente. Essa guerra foi declarada pelo governo federal, especificamente pelo Bureau of Land Management (Escritório de Gerência de Terras, BLM). Seus adversários, Cliven Bundy e sua família, são pecuaristas na região há mais de um século, mas o governo federal acredita ter o direito de tomar as terras de Bundy. O governo alega que Bundy não pagou multas pelo uso de “terras federais” e por desrespeitar leis que protegiam uma espécie ameaçada de tartaruga.
Esta guerra culminou, na semana passada, no fechamento dos acessos à fazenda de Bundy por agentes federais. A mensagem era clara: pague, abra mão de suas terras ou sofra as consequências violentas. Bundy escolheu a última opção e uma campanha bem sucedida na internet em seu favor levou centenas de apoiadores ao rancho Bundy. Muitos deles eram de “grupos de milícia”. Outros eram simples americanos médios que simpatizavam com a situação de Bundy. Depois de um impasse que durou dias, o BLM foi rechaçado do rancho de Bundy.
Pode parecer obviamente errado comparar os dois eventos. Afinal, como muitos já afirmaram, a terra que Bundy agora defende é, muito provavelmente, resultado de injustiças históricas contra os nativos americanos. Que direito legítimo tem Bundy sobre essas terras além de sua soberania ancestral? Seus ancestrais não se importavam com as reclamações dos nativos sobre as terras. Estou dividido. Se um grupo de nativos americanos invadisse a propriedade de Bundy e a tomasse, imagino que minhas emoções fossem ser de simples apatia. Essa é a natureza dos vários títulos de propriedade nos Estados Unidos, nebulosos por conta do tratamento selvagem dos nativos americanos e de seus direitos às terras deste país. Embora eu não esteja particularmente familiarizado com as reclamações dos nativos americanos às terras de Bundy, presumo que, de alguma forma, a aquisição original das terras dos Bundy não seja nada além de roubo.
Porém, quem permitiu esse roubo? Certamente não o clã dos Bundy. O culpado de tantas injustiças contra os nativos quase sempre foi o governo federal e o estadual, desde que foram estabelecidos. Não tenho qualquer simpatia pela alegação dos Bundy de direitos familiares sobre as terras. Contudo, sou solidário a toda e qualquer oposição a usurpações e ingerências.
Essas guerras contra indivíduos privados ocorrem em prol de um só objetivo: a pilhagem estatal. A ideia de que o governo tem algum interesse nos animais selvagens do deserto de Nevada é absolutamente risível. A ameaça que o gado dos Bundy representava às tartarugas do deserto não era nada em comparação ao reiterado desprezo à natureza do governo americano, que jogou várias bombas atômicas no oeste dos EUA no auge dos testes nucleares. As ações do estado têm como objetivo controle e não a proteção de qualquer espécie animal.
Somente através da radical oposição às reivindicações do estado nós podemos começar a imaginar um mundo em que haja algum tipo de justiça para os nativos americanos. Os senecas entenderam em 1997 que se não resistissem à guerra declarada por Nova York, perderiam qualquer direito às suas terras. Hoje, Bundy se posiciona em favor do mesmo princípio. Eu não apoio Cliven Bundy por conta de seus pretensos direitos de propriedade, mas porque ele procurou realmente defender suas terras da ingerência do governo federal. Nada disso era sobre direitos dos estados, direitos de propriedade ou injustiças históricas. Era uma defesa contra o poder do estado.