Apesar de os progressistas afirmarem fazer uma crítica substantiva aos poderes sociais e sistêmicos, eles celebram as estruturas plutocráticas do governo. Veem a plutocracia como uma força constituída externamente que pode combater as hierarquias de poder difusas sem se tornar parte delas. Como se fosse uma força “neutra”, uma lacuna em que uma noção racional de justiça pode ser inscrita e comandada efetivamente por essa ideia de racionalidade. Mostrar a ignorância dos progressistas das estruturas de opressão é outra oportunidade.
Todos já nos deparamos com o mantra “Legalizar, regulamentar, taxar!”. Perceba a posição estranha em que se colocam. A diferença entre a regulamentação e a proibição, se é que há alguma, é que a regulamentação abre algumas exceções para privilegiados — o que não é grande alento quando você se encontra em um dos grupos excluídos. Embora a força bruta tenha gerado o caos, os progressistas estão certos de que uma regulamentação moderada pode funcionar. A elaboração de políticas públicas, ao que parece, é equivalente a jogar tiro ao alvo usando uma venda nos olhos.
Mercados negros “desregulamentados”? Onde?
É comum a afirmação de que os perigos dos mercados de drogas resultam de seu caráter “desregulamentado”. Se legalizássemos as drogas e o governo garantisse sua qualidade e consistência, todos estariam mais seguros. Concordo que todos estariam mais seguros com a legalização, mas as regulamentações não têm nada a ver com isso. A verdade é que os problemas atuais ocorrem por causa das falhas do estado regulatório. Não apenas porque a proibição a produção, distribuição e do consumo é a maior forma de regulamentação imaginável, mas porque ela tira o poder dos consumidores, estabelecendo hierarquias e violências estruturais.
Primeiro, a proibição ergue barreiras à entrada que requerem que os agentes tenham acesso privilegiado a recursos especializados — como os meios de produção e distribuição do bem — ou que façam uso de canais pouco confiáveis em diferentes níveis da hierarquia econômica. Não só os recursos proibidos são mais difíceis de adquirir, mas os riscos e custos artificiais que surgem ao atuar fora da lei garantem que a divisão entre vencedores e perdedores seja injusta e que apenas alguns poucos, que agora controlam o mercado, tenham acesso a determinados recursos. O poder do consumidor é limitado porque os distribuidores frequentemente têm diferentes canais de acesso às mesmas cadeias de fornecimento. Não há vantagens em usar canais diferentes.
Segundo, os lucros exorbitantes auferidos pelos participantes privilegiados, graças ao risco de entrada e aos controles de distribuição, levam a relações de poder econômico desiguais. Esse tipo de dominação violenta e perseguição pode ser vista nos cartéis de drogas mexicanos. Num mercado verdadeiramente liberto, em que a participação é aberta ao público, a competição livre age como limitação ao poder e estimula a honestidade dos agentes. Sem a especialização artificial dos recursos necessários, a maioria das ações competitivas tomadas para criar lucros no curto prazo seriam niveladas ao longo do tempo, quando os outros participantes adotassem suas ideias. Na situação atual, em que certos agentes têm recursos e acesso ao poder circunstancialmente melhores, todos os demais agentes não podem fazer nada. Num mercado irrestrito, não haveria nada que impedisse que pessoas diferentes tivessem o mesmo acesso aos mesmos recursos, insumos e dados.
Terceiro, o monopólio estatal do fornecimento de leis e segurança reserva a eles o poder especial de exclusão que, quando usado, tem o efeito de distorcer os mercados negros. É o caso claro dos mercados de drogas ilegais. Não temos a opção de criar nossas próprias instituições de justiça e, ao mesmo tempo, há uma necessidade forçosa de segurança — isto é, proteção contra a própria lei. Então, como agentes do mercado negro, somos privados de várias opções de proteção contra riscos e, assim, se formam cartéis hierarquizados. Não só a proibição define que tipos de instituições são possíveis, mas a necessidade de ocultamento e anonimidade distorce severamente as transações cotidianas. Não é muito seguro fazer transações com um sujeito numa van à noite, mas não há muitas opções — não como são concebidas tradicionalmente.
Respostas de mercado
Vivemos em tempos interessantes. A difusão da internet e a economia da informação deu poder para que as pessoas criassem espaços sociais próprios que seriam proibidos de outras maneiras. Formas tradicionais de organização criam alvos visíveis ou vulneráveis para o estado, mas redes são muito mais resistentes porque podem se recriar facilmente. Através desse modo de organização em rede, estamos vendo uma reversão parcial das várias formas de desempoderamento criadas pela proibição e pela regulamentação estatais.
O Silk Road (SR), por exemplo, teve impacto tremendo nos últimos anos e sua derrubada recente pelo FBI foi uma grande injustiça, mas ao menos estamos vendo, talvez pela primeira vez, um enfraquecimento dos ataques. A resposta do governo dos Estados Unidos partiu o SR em milhões de pedaços, que estão sendo incorporados por outros grupos e indivíduos e transformados em armas próprias. Os consumidores utilizam cada vez mais alternativas de mercado da darknet — inclusive uma nova versão do próprio SR — e têm sido bem sucedidos, com apenas alguns percalços, em retomar sua capacidade de trocar bens e serviços uns com os outros, não importa que sejam “proibidos”.
Para entender melhor os papéis desempenhados por essas alternativas descentralizadas, devemos analisar as inovações e falhas do SR original. O SR era um serviço “oculto”, disponível apenas na rede Tor — ou seja, acessável somente se seu navegador fosse configurado para o uso da rede Tor ou se você utilizasse o Tor Browser Bundle. O site funcionava como uma versão modificada da Amazon ou do eBay e fornecia várias facilidades que ajudavam os compradores e vendedores a estabelecerem laços de confiança, como um sistema de depósitos, feedback para os vendedores e resolução de disputas. De acordo com seu relatório, o FBI comprou amostras de drogas listadas no SR, as testou (página 6) e normalmente viu que a pureza dos produtos era exatamente a que era anunciada. O SR, com seu sistema de reputação combinado com informações precisas nas páginas de perfis e fóruns oficiais, dava poder aos compradores para fazerem escolhas informadas e permanecerem seguros.
O problema crítico do SR era sua centralização. Embora a capacidade de operar “escondido” seja uma característica útil da rede Tor, o serviço pode ser minado se alguns erros forem cometidos por seus fundadores ou se os servidores físicos forem descobertos. Após o primeiro ataque ao SR, o mecanismo de emergência que liberaria os bitcoins armazenados no site para seus donos nunca foi ativado, graças a circunstâncias não previstas. Todas as suas funções úteis foram internalizadas, requerendo a confiança cega na honestidade e na competência dos administradores do site.
É verdade que os retornos de longo prazo sobre as comissões de vendas eram incentivos maiores que os ganhos de curto prazo que poderiam ser extraídos ao enganar toda a base de usuários e fugir com seus bitcoins, mas as falhas de serviços escondidos, como o Sheep Marketplace e o TorMarket, mostram que essa garantia só funciona se as perspectivas futuras do serviço forem boas. O TorMarket foi encerrado sem aviso e nunca mais foi visto após um período de problemas e incertezas em outros mercados e depois de ser alvo de vários ataques DDOS (ataques de negação de serviço distribuídos), que fizeram com que os usuários não pudessem acessar os bitcoins em suas carteiras pessoais e em depósitos no site.
Essas são as lições que devem ser aprendidas. Um serviço “oculto” chamado The Marketplace, localizado na rede I2P, em vez da rede Tor, como explicam seus idealizadores, não é capaz de roubar das carteiras digitais criadas para depósitos. Embora continue a ser um serviço centralizado, há grande interesse da comunidade em dar mais controle ao usuário final, para quem The Marketplace estabeleceu seu modelo. Outros mercados estão fazendo experimentos similares. O potencial para mercados completamente descentralizados já existe — e proteções a compradores e vendedores, onde forem necessárias, estão sendo implementadas por projetos como o Open Transactions.
Esse fenômeno é essencialmente similar ao “molotov invisível” descrito por William Gillis:
Para aqueles interessados em resistir e minar as bases do poder coercitivo, a questão não se trata tanto de como um mercado realmente liberto pode um dia melhorar nossas vidas, mas como os poucos lampejos de liberdade do mercado atual já trabalham contra as hierarquias, o banditismo e a concentração de poder e como eles podem ser fortalecidos. Nosso interesse, portanto, não é na mão invisível do mercado, mas no molotov invisível que ela carrega.Quanto mais forte as estruturas opressivas nos seguram, mais desliza por entre seus os dedos. Os sistemas sociais em rede que criamos podem sobreviver à própria fragilidade. Na realidade, é nesse ambiente que temos mais sucesso; por formarmos instituições anti-frágeis, nós nos modulamos e nos aperfeiçoamos em resposta às falhas. O estado monolítico requer estabilidade e previsibilidade, mas no novo milênio essa é uma causa perdida. O controle social total é o único meio que ele possui para sua sobrevivência mas elementos de perturbação são impossíveis de eliminar. O sistema atual de conglomerados e estados-nação provoca continuamente essas perturbações e, portanto, participa em sua própria destruição. As correções do mercado negro estão destruindo as instituições de poder “neutro” que os progressistas sonham em comandar e provocando reações que revelam sua natureza não tão inocente, mostrando que, na realidade, são forças de opressão totalizante.