Muitas pessoas nutrem uma certa simpatia pela ditadura militar que governou o Brasil até os anos 1980. Não é incomum ouvir dos mais velhos que, naquela época, havia empregos, que a educação pública era decente, que a violência não estava fora do controle como nos dias atuais, que o país estava em ordem. E é fato que o país estava em ordem. Mas a quem servia essa ordem?
A ditadura, efetivamente, impôs algo que se assemelhava a “ordem”. Como todo governo autoritário, não tinha que responder a ninguém, censurava opositores e policiava ostensivamente as ruas em busca de atividades “subversivas”. Violência? Existia, mas era abafada pelo governo. As informações que surgiam eram apenas as interessantes para o regime e os opositores eram sistematicamente calados e perseguidos.
Mesmo a ideia de que o país prosperava economicamente durante os anos de chumbo é patentemente falsa. O “milagre brasileiro” dos anos 1970, que consistiu basicamente em inflação e endividamento público para financiar grandes projetos estatais (como a famosa rodovia Transamazônica), colocou o país no caminho do colapso econômico. Que de fato ocorreu: o Brasil foi o Zimbábue dos anos 1980, uma década perdida, de empobrecimento, sofrimento para o povo que convivia com uma inflação que chegava a 3000% ao ano. Convenientemente, os mais nostálgicos do regime não lembram desses fatos.
E mesmo quando lembram, minimizam os problemas. O número de mortos e desaparecidos por perseguição política durante a ditadura brasileira é calculado em cerca de 400. Como esse número absoluto é relativamente “baixo” se comparado aos regimes militares do resto da América Latina ou mesmo o de regimes comunistas como o de Cuba, os mais autoritários descartam qualquer discussão do tema como pequeno problema. O que é, naturalmente, um completo absurdo, porque a avaliação da justiça do regime militar não é uma quantificação rasteira do número de cadáveres. Para eles, Vladimir Herzog foi apenas um caso “excepcional” e não o modus operandi do regime.
Este 22 de março foi o dia de as viúvas da ditadura celebrarem suas ilusões sobre o regime que fez com que o Brasil parasse no tempo por 20 anos.
Com os 50 anos da Marcha da Família com Deus pela Liberdade (que foi chamada de Marcha da Vitória pelo regime que se instalou em 1964), certas alas conservadoras decidiram organizar “protestos” em várias cidades pelo Brasil. As novas “Marchas da Família” foram às ruas.
Pediam uma nova “intervenção militar” contra a “ameaça comunista” no Brasil. Pediam o restabelecimento da farsa que era a ordem durante a ditadura. Ouviram-se gritos “Viva Médici” e “Viva Geisel”. O fato de essas manifestações celebrarem sujeitos pífios como o deputado Jair Bolsonaro diz muito sobre os ideais políticos defendidos por quem foi as ruas.
Porém, não podemos dar uma importância indevida às marchas, já que não saiu tanta gente assim às ruas. A de São Paulo reuniu cerca de mil pessoas. No Rio, cerca de 200 compareceram. Contingentes quase irrisórios em cidades gigantescas. Sem mencionar as deprimentes reuniões de cerca de 6 pessoas no Recife e 9 em Natal. As viúvas da ditadura encenaram um espetáculo triste, não apenas por conta das visões retrógradas defendidas, mas também por conta de sua irrelevância.
Os jornais brasileiros consideraram pertinente cobrir as marchas, mas, se elas nos mostraram algo, é que sua ideologia e seus valores, como a ditadura, ficaram enterrados no passado. São fósseis que apenas alguns poucos querem desenterrar.
Esses poucos grupos que saíram às ruas hoje querem voltar no tempo, mas não perceberam que não têm mais o controle do relógio político. E provavelmente nunca mais terão.