Ao interrogar na última quinta-feira (13) Juliano Torres, diretor-executivo da rede acadêmica Estudantes Pela Liberdade (EPL), a Polícia Federal se certificou de que teria à disposição todo o roteiro de viagens internacionais feitas por ele nos últimos meses, para que sua tentativa de intimidação fosse muito mais incisiva.
A PF brasileira tem intimado para depor (ou, como chamam os burocratas, “prestar esclarecimentos”) diversos indivíduos percebidos como lideranças dos protestos que ocorreram durante a Copa das Confederações, em junho. O EPL teve certo envolvimento nos protestos, e suas várias páginas no Facebook coordenaram a participação de vários grupos nas manifestações. Juliano Torres, então, foi interrogado a respeito de todo o seu envolvimento político e institucional – tendo que explicar até mesmo de onde saiu o financiamento para suas idas ao exterior. (O que deve nos fazer recordar o real motivo da existência dos passaportes: controle e vigilância da população.)
O contingente libertário das redes sociais rapidamente se mobilizou em suporte a Juliano Torres contra as táticas ditatoriais da PF, mas deve-se lembrar de que não são só os libertários que estão sendo alvos do governo brasileiro. O mesmo tratamento tem sido dispensado a diversos indivíduos envolvidos em manifestações políticas, notoriamente aqueles ligados à Marcha da Maconha e ao Movimento Passe Livre.
A Copa do Mundo deste ano e as Olimpíadas de 2016 jogaram rapidamente o país em estado de exceção, liberando o governo e a polícia para empregarem táticas cada vez mais repressoras e autoritárias. Com a desculpa de assegurar a segurança para os eventos internacionais, o governo brasileiro ganhou a conveniente justificativa de que precisava para reforçar a vigilância na internet, recrudescer a repressão às manifestações nas ruas e, pior, fortalecer o estado policial totalitário que já vigora nas favelas. No Rio, em particular, a sensação de terror domina as favelas “pacificadas”, em que os moradores vivem sob a mira dos fuzis da PM, sendo efetivamente cidadãos de segunda classe, sem direitos civis. A polícia, ao fechar o cerco em determinadas favelas, ainda empurra a força do tráfico de drogas para as favelas mais distantes do centro e, por isso, “invisíveis” – tolerando ainda a existência das milícias, que lutam pelo controle dessas áreas.
A visita dos ativistas de classe média à PF, em comparação, é um agradável passeio no parque.
Com a carta branca de que precisava para violentar a população, o governo se sentiu à vontade nos últimos anos para potencializar a exploração econômica dos cidadãos comuns. Os protestos de junho, precipitados pela condição precária dos transportes urbanos em todo o Brasil, são sintomáticos. Os gigantescos subsídios estatais a imóveis (efetivamente, apenas repasses governamentais às empreiteiras) fizeram com que as metrópoles brasileiras crescessem absurdamente na última década e transformaram o país num dos mais caros do mundo – de quebra, jogando o Brasil numa bolha imobiliária similar à dos Estados Unidos. A infraestrutura urbana brasileira não suportou esse choque e cai aos pedaços.
Os estádios construídos para a Copa do Mundo catalisam a revolta popular por serem ralos de dinheiro público, mas ainda escondem a tragédia humana das desapropriações violentas dos imóveis de milhares de famílias. Tudo pelo bem do esporte, evidentemente; por uma Copa no padrão FIFA.
Por isso, quando ícones do futebol como Ronaldo colocam o dedo na ferida, servem de garotos-propaganda oficiais e afirmam que não se faz Copa do Mundo com hospitais, é ainda mais doloroso. São manifestações assim que não deixam morrer o grito de que “Não vai ter Copa” entoado pelos black blocs.
Portanto, o Brasil atualmente é o paraíso da violência estatal, que fortalece a casta atual de petistas que se encontra no poder e garante os lucros das empreiteiras e demais corporações ligadas ao regime. É por essas e muitas outras que o governo brasileiro está certo em temer novas manifestações. É por essas e outras que a PF terá que separar muitos outros registros de viagens internacionais.