Esta é a tradução do capítulo IX de What Social Classes Owe to Each Other.
O tipo e a fórmula da maior parte dos esquemas filantrópicos ou humanitários é este: A e B juntam suas mentes para decidir o que C deve fazer por D. O vício radical de todos esses esquemas, de um ponto de vista sociológico, é o fato de que C não tem voz na questão, e de que sua posição, caráter e interesses, assim como os efeitos últimos na sociedade através dos interesses de C, são inteiramente desconsiderados. Eu chamo C de Homem Esquecido. Somente uma vez, olhemos para ele e consideremos seu caso, pois a característica de todos os médicos sociais é que eles fixam suas mentes em alguns homens ou grupos de homens cujo caso atrai suas simpatias e imaginações, e receitam remédios para o problema específico; eles não entendem que todas as partes da sociedade estão unidas e que as forças que são postas em funcionamento agem e reagem por todo o organismo até que um equilíbrio seja alcançado por um reajuste de todos os interesses e direitos. Eles, portanto, ignoram inteiramente a fonte da qual eles devem tirar toda a energia que empregam em seus remédios, e ignoram todos os efeitos sobre os outros membros da sociedade que não aqueles que observam. Eles estão sempre dominados pela superstição do governo e, esquecendo que um governo nada produz, perdem de vista o primeiro fato que se deve lembrar em toda discussão social — o de que o estado não pode conseguir um centavo para qualquer homem sem tirá-lo de algum outro homem, e que este último precisa ser um homem que o poupou e produziu. Este último é o Homem Esquecido.Os amigos da humanidade começam com certos sentimentos benevolentes em relação aos "pobres", aos "fracos", aos "trabalhadores" e a outros que transformam em bichinhos de estimação. Eles generalizam essas classes, as tornam impessoais e as transformam em bichinhos de estimação sociais. Eles se voltam para as outras classes e apelam à simpatia, à generosidade e a todos os outros nobres sentimentos do coração humano. A ação proposta consiste numa transferência de capital dos que estão em melhor posição para aqueles que estão numa pior. O capital, porém, como nós vimos, é a força pela qual a civilização é mantida e continuada. A mesma porção de capital não pode ser usada de duas formas. Toda parte do capital, portanto, que é dada a um indolente e ineficiente membro da sociedade, que não dá retorno algum, é desviada de um uso reprodutivo; mas se fosse colocada num uso reprodutivo, teria se convertido em salários mais altos para um eficiente e produtivo trabalhador. Assim, a real vítima desse tipo de benevolência, que consiste de um gasto de capital para proteger os ineptos, é o trabalhador industrioso. Neste, no entanto, nunca se pensa. Assume-se que ele já tem provisões por conta própria. Essa noção só mostra quão pouco as noções verdadeiras da economia política se tornaram popularizadas até hoje. Há um preconceito quase invencível de que um homem que dá um dólar para um mendigo é generoso e sensível, mas um homem que recusa o dólar ao mendigo e o coloca num banco é avarento e malévolo. O primeiro está colocando capital onde certamente ele será desperdiçado e onde será uma espécie de semente de uma longa sucessão de dólares futuros, que devem ser desperdiçados para atrair um maior número de simpatias do que ocorreria por uma recusa em primeiro lugar. Uma vez que o dólar poderia ter se transformado em capital e dado a um trabalhador que, ao consegui-lo, o reproduziria, ele precisa ser considerado como tendo sido tirado deste último. Quando um milionário dá um dólar a um mendigo, o ganho de utilidade do mendigo é imensa e a perda de utilidade do milionário é insignificante. Geralmente a discussão pára neste ponto. Mas se o milionário transforma o dólar em capital, ele chegará ao mercado de trabalho como uma demanda por serviços produtivos. Portanto, aqui há outra parte interessada — a pessoa que fornece serviços produtivos. Há sempre duas partes. A segunda é sempre o Homem Esquecido, e quem quer que queira entender verdadeiramente a presente questão precisa procurá-lo. Será visto que ele é valoroso, industrioso, independente e auto-sustentável. Ele não é, tecnicamente, "pobre" ou "fraco"; ele se dedica apenas aos próprios negócios e não faz queixas. Conseqüentemente, ele é sempre esquecido pelos filantropos, que pisam nele.
Nós ouvimos uma grande quantidade de planos para "melhorar as condições do trabalhador". Nos Estados Unidos, quanto mais formos para baixo na escala do trabalho, maiores são as vantagens que o trabalhador tem em relação às classes mais altas. Um servente de pedreiro ou escavador aqui pode, com o trabalho de um dia, pagar muitas vezes mais dias de trabalho de um carpinteiro, fiscal, escriturário ou médico do que um trabalhador não-qualificado da Europa poderia com um dia de trabalho. O mesmo é verdadeiro, em menor grau, para o carpinteiro em comparação com o escriturário, com o fiscal e com o médico. Por isso os Estados Unidos são o grande país para o trabalho não-qualificado. Todas condições econômicas favorecem essa classe. Há um grande continente para ser conquistado e há solo fértil disponível para o trabalho, com quase nenhuma necessidade de capital. Assim, as pessoas que têm braços fortes têm o que é mais necessário e, não fosse por considerações sociais, a educação superior não compensaria. Sendo este o caso, o trabalhador não precisa de melhorias em suas condições exceto a de ser libertado dos parasitas que vivem sobre ele. Todos os planos de auxílio às "classes trabalhadoras" têm sabor de condescendência. Eles são impertinentes e fora de lugar nesta livre democracia. Não há, na verdade, qualquer estado de coisas ou quaisquer relações que pudessem tornar projetos desse tipo apropriados. Esses projetos desmoralizam ambas as partes, adulando a vaidade de uma e minando o respeito próprio da outra.
Para nosso presente propósito, é importante notar que se nós erguermos qualquer homem, nós precisamos ter um sustentáculo ou ponto de reação. Numa sociedade, isso significa que para erguer um homem nós empurramos outro para baixo. Os planos para melhorar as condições das classes trabalhadoras interferem na competição dos trabalhadores uns com os outros. Os beneficiários são selecionados através do favoritismo e são aptos a ser aqueles que recomendaram a si mesmos aos amigos da humanidade por uma linguagem ou conduta que não exprime independência e energia. Aqueles que sofrem uma correspondente depressão pela interferência são os independentes e auto-confiantes, que mais uma vez são esquecidos ou desconsiderados; e os amigos da humanidade mais uma vez surgem, em seus esforços para ajudar alguém, para pisar naqueles que tentam ajudar a si próprios.
Os sindicatos trabalhistas utilizam vários instrumentos para aumentar os salários, e aqueles que dedicam seus tempos à filantropia têm interesse nesses instrumentos e desejam que eles tenham sucesso. Eles fixam suas mentes inteiramente nos trabalhadores que presentemente fazem parte da negociação e não tomam conhecimento de quaisquer outros trabalhadores que estejam interessados na questão. Supõe-se que a luta é entre os trabalhadores e seus empregadores, e acredita-se que se pode ter simpatias nesse caso em relação aos trabalhadores sem ter responsabilidade por nada mais. Logo se vê, entretanto, que o empresário soma os riscos dos sindicatos e das greves aos outros riscos de seus negócios e resolve a questão filosoficamente, porque ele passou suas perdas para o público. Parece então que a riqueza pública foi diminuída e que o perigo de uma guerra trabalhista, como o perigo de uma revolução, é uma constante redução do bem-estar de todos. Até aqui, porém, nós vimos apenas coisas que poderiam diminuir os salários — nada que pudesse aumentá-los. O empregador preocupa-se, mas isso não aumenta os salários. O público perde, mas esse prejuízo serve para cobrir o risco extra e não aumenta os salários.
Além dos legítimos e econômicos meios1, um sindicato trabalhista aumenta salários através da restrição do número de aprendizes que podem trabalhar. Isso age diretamente sobre a oferta de trabalhadores e produz efeitos sobre os salários. Se, porém, o número de aprendizes for limitado, alguns que gostariam de entrar são mantidos fora. Aqueles que estão dentro, portanto, estabeleceram um monopólio e constituíram-se como classe privilegiada numa base exatamente análoga àquela das antigas aristocracias privilegiadas. Mas o que quer que é ganho com esse arranjo para aqueles que estão inseridos custa uma perda maior àqueles que são excluídos. Portanto, não é sobre os mestres nem sobre o público que os sindicatos trabalhistas exercem a pressão pela qual elevam os salários; é sobre as outras pessoas da classe trabalhadora que desejam entrar naquele determinado ofício, mas que, não podendo fazer isso, são empurradas para a classe de trabalhadores desqualificados. Essas pessoas, no entanto, são completamente desconsideradas em todas as discussões sobre os sindicatos trabalhistas. São os Homens Esquecidos. E uma vez que elas querem entrar naquela profissão e ganhar suas vidas com ela, é razoável supor que são apropriadas para ela, que nela teriam sucesso e que fariam um bem para a sociedade ao exercê-la; isso significa dizer que, de todas as pessoas interessadas ou afetadas, são elas que mais merecem nossa simpatia e atenção.
Os casos mencionados até aqui não envolvem nenhuma legislação. A sociedade, contudo, mantém a polícia, xerifes e várias instituições cujo objetivo é proteger as pessoas de si mesmas — isto é, de seus próprios vícios. Quase todo esforço legislativo para evitar os vícios na verdade os protege, porque todas essas legislações salvam o homem vicioso da penalidade de seu vício. Os remédios da natureza contra os vícios são terríveis. Ela remove as vítimas sem piedade. Um bêbado na sarjeta está exatamente onde deveria, de acordo com a tendência e a justeza das coisas. A natureza o colocou num processo de declínio e dissolução pelo qual ela remove as coisas que exauriram suas utilidades. O jogo e outros vícios menos mencionáveis possuem suas próprias penalidades com eles.
Mas nós nunca podemos destruir uma penalidade. Nós podemos somente desviá-la da cabeça do homem que incorreu nela para as cabeças dos outros que não incorreram nela. Uma grande quantidade de "reformas sociais" consiste justamente dessa operação. A conseqüência é que aqueles que se desvirtuaram, sendo livrados da rígida disciplina da natureza, pioram, e que há um fardo constantemente mais pesado para que os outros sustentem. Quem são os outros? Quando vemos um bêbado na sarjeta, nós nos apiedamos dele. Se um policial o auxiliar, nós dizemos que a sociedade interferiu para salvá-lo do perecimento. "Sociedade" é uma bela palavra e ela nos poupa do problema de pensar. O industrioso e sóbrio trabalhador, o qual tem uma porcentagem de seu salário diário multada para pagar o policial, é quem sustenta a penalidade. Mas ele é o Homem Esquecido. Ele está lá, mas nunca é notado, porque ele se comportou apropriadamente, honrou seus contratos e não pediu por nada mais.
A falácia de toda legislação proibitória, comportamental e moral é a mesma. A e B se determinam a ser abstêmios, o que é freqüentemente uma sábia, e às vezes necessária, determinação. Se A e B são movidos por considerações que lhes parecem boas, é suficiente. Mas A e B juntam suas mentes para passar uma lei que forçará C a ser um abstêmio em benefício de D, que está em perigo de beber demais. Não há pressão sobre A e B. Eles estão em seus próprios caminhos e gostam deles. Raramente há qualquer pressão sobre D. Ele não gosta dela e a evade. Toda a pressão recai sobre C. A questão então surge: Quem é C? Ele é o homem que não quer bebidas alcoólicas para propósito nenhum, que usaria sua liberdade sem abusar dela, que não levantaria nenhuma questão pública e não causaria problemas para ninguém. Ele é o Homem Esquecido de novo, e tão logo que ele é tirado de sua obscuridade nós vemos que ele é exatamente o que cada um de nós deve ser.
Notas:
1 Como assinalado no capítulo VI de What Social Classes owe to Each Other, de Sumner.
William Graham Sumner (1840-1910) foi um sociólogo americano. Presidiu a American Sociological Association e foi vice-presidente da Anti-Imperialist League. Em seus diversos trabalhos, defendeu o governo limitado, o livre-comércio e o anti-militarismo.