Mas há outras liberdades pessoais que ainda nos são permitidas, mais elaboradas e civilizadas que aquele simples discurso humano, o qual ainda é bastante similar ao sons dos chimpanzés. Por algum descuido oficial, o qual eu sou incapaz de explicar, nós ainda podemos escrever cartas privadas se as colocarmos nas caixas de correios públicas. O Chefe Geral dos Correios não escreve todas as nossas cartas para nós; nem mesmo o carteiro local já tem esses poderes locais. Não posso conceber como é que os reformadores fracassaram em notar a necessidade de unir, reorganizar, coordenar, codificar e ligar todo esse sistema — ou falta de sistema — complexo, caótico e dispendioso. Deve haver enormes quantidades de sobreposições, com uns seis jovens rapazes escrevendo cartas para apenas uma jovem dama. Deve haver um padrão educacional terrivelmente baixo, sendo permitido a todos os tipos de pessoas pobres colocar em suas cartas quaisquer grafias e gramáticas que quiserem. E toda essa anarquia e deterioração poderia se acabar com o simples processo de padronização de toda correspondência. Sei que se usar a palavra "padronização", o sr. H. G. Wells acolherá a idéia e começará a pensar nela seriamente (de fato, se abre perante mim um grande leque de possíveis reformas sociais).
Aparentemente, o primeiro e mais óbvio método seria o governo nos enviar formulários oficiais para nossas amigáveis correspondências, para serem preenchidos como os formulários de seguros ou do imposto de renda. Aqui ali, mesmo na comunicação mais exemplar, haveria palavras deixadas em branco, as quais o indivíduo poderia preencher por si mesmo. Eu tenho uma idéia quase pronta de uma carta de amor oficial, impressa na forma "Eu ________ você", para que o cidadão pudesse inserir "amo", ou "gosto de", ou "adoro", com a expectativa de um novo casamento civil; ou "renuncio a", ou "repudio", ou "execro", com a expectativa de um novo e mais civil divórcio. Mas mesmo essas lacunas para variação verbal devem ser admitidas com cuidado; pois o objetivo da reforma inteira é aumentar o nível geral de toda correspondência a uma altura inalcançável à maioria atualmente.
Mas eu não estou realmente convertido a meu próprio projeto, mesmo que por minha própria falta. Eu não estou realmente convencido da necessidade de correspondências padronizadas, por conta da existência de cartas criminosas ou pela minha criminosa negligência às cartas. Se ou quando, por estar com um estranho humor numa data distante, eu de fato respondesse uma carta, eu ainda preferiria escrevê-la eu mesmo. Mesmo se eu não tivesse nada a escrever a não ser uma desculpa por não ter escrito, eu preferiria que meu auto-rebaixamento tivesse o aspecto de autodeterminação.
É extraordinário que toda a recente discussão sobre autodeterminação seja aplicada a tudo exceto ao eu. É aplicada ao Estado, mas não à própria coisa à qual sua fórmula verbal se professa aplicar. Eu, por mim, acredito na mística doutrina da democracia, que pressupõe que a Inglaterra tem uma alma, ou que a França tem uma identidade. Mas certamente é muito mais óbvio e ordinário que Jones tem um eu e que Robinson tem um eu. E a questão que eu aqui discuti sob a parábola dos Correios não é a questão de se há abusos de bebidas ou de comidas, da mesma forma que há calúnia e difamação em qualquer caixa de correio ou bolsa de carteiro. É a questão de se nestes dias as ações do governo deixarão intacta alguma parte dos direitos do homem.
G. K. Chesterton (1874-1936) foi um influente jornalista, poeta, biógrafo, teólogo católico e romancista inglês. Foi um dos formuladores do distributivismo, doutrina que buscava aplicar a doutrina social da Igreja Católica à economia.