O pequeno arsenal do defensor do livre-comércio - Frédéric Bastiat

Este texto foi publicado originalmente como um panfleto com o título "Le petit arsenal du libre-échangiste" e é o capítulo 15 da segunda série do livro Sophismes économiques, de 1845.

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Suponha que alguém lhe diga: "Não existem princípios absolutos. A proibição pode ser má e a restrição pode ser boa."

Responda: "A restrição proíbe a importação de tudo que evita que entre."

Suponha que alguém lhe diga: "A agricultura é a mãe que alimenta todo o país."

Responda: "O que fornece alimentos ao país não é estritamente a agricultura, mas o trigo."

Suponha que alguém lhe diga: "O sustento da nação é dependente da agricultura."

Responda: "O sustento da nação é dependente do trigo. Essa é a razão de existir uma lei que obriga a nação a obter dois hectolitros de trigo através do trabalho agrícola em vez dos quatro hectolitros que ela poderia ter obtido na ausência da lei, ao aplicar a mesma quantidade de trabalho à produção industrial, longe de ser uma lei para o sustento do povo, é uma lei para sua fome."

Suponha que alguém lhe diga: "Restringir a importação de trigo estrangeiro leva a um aumento da agricultura doméstica e, portanto, a um aumento da produção doméstica."

Responda: "Leva a uma extensão da agricultura às encostas rochosas das montanhas e às areias estéreis das praias. Se você ordenhar uma vaca e continuar ordenhando, você terá mais leite; pois quem pode dizer quando você não vai mais poder obter outra gota? Mas essa gota vai lhe custar caro."

Suponha que alguém lhe diga: "Deixe o preço do pão ser alto, pois o fazendeiro que se torna rico enriquecerá o industrial."

Responda: "O preço do pão é alto quando ele é escasso; mas a escassez só torna as pessoas pobres, ou, se você preferir, pessoas ricas famintas."

Suponha que alguém insista dizendo: "Quando o preço do pão aumenta, os salários aumentam."

Responda mostrando que em abril de 1847 cinco sextos dos trabalhadores estavam vivendo de caridade.

Suponha que alguém lhe diga: "Um aumento dos salários deve necessariamente seguir um aumento do custo de vida."

Responda: "Isso é equivalente a dizer que num navio sem provisões todos têm tanto para comer como se ele estivesse bem abastecido."

Suponha que alguém lhe diga: "Ao homem que vende trigo deve-se assegurar um bom preço."

Responda: "Muito bem. Mas nesse caso ao homem que o compra precisa-se assegurar um bom salário."

Suponha que alguém lhe diga: "Os donos de terras, que fazem as leis, aumentaram os preços do pão sem se preocuparem com os salários porque eles sabem que, quando o preço do pão sobe, os salários sobem naturalmente."

Responda: "Da mesma forma, quando os trabalhadores fazem as leis, não os culpe se eles fixarem um nível salarial alto sem se preocuparem em proteger o trigo, porque eles sabem que, quando os salários sobem, o custo de vida sobe naturalmente."

Suponha que alguém lhe pergunte: "O que devemos fazer, então?"

Responda: "Ser justos com todos."

Suponha que alguém lhe diga: "É essencial para um grande país ter uma indústria de ferro."

Responda: "O que é mais essencial é que esse grande país tenha ferro."

Suponha que alguém lhe diga: "É indispensável que um grande país tenha uma indústria de roupas."

Responda: "O que é mais indispensável é que os cidadãos desse grande país tenham roupas."

Suponha que alguém lhe diga: "O trabalho é a riqueza."

Responda: "Isso não é verdade"

E, como explicação, adicione: "A sangria não é saúde; e a prova é que seu objetivo é restaurar a saúde."

Suponha que alguém lhe diga: "Obrigar os homens a abrir uma mina para extrair uma onça de ferro de um quintal de minério de ferro significa aumentar o trabalho deles e conseqüentemente suas riquezas."1

Responda: "Compelir os homens a cavar poços proibindo-os de pegar água do rio significa aumentar o trabalho inútil deles, mas não suas riquezas."

Suponha que alguém lhe diga: "O sol nos fornece luz e calor sem remuneração."

Responda: "Muito melhor para mim; não me custa nada ver claramente."

E suponha que alguém responda: "A indústria em geral perde o que você poderia ter gasto com iluminação artificial."

Esquive-se: "Não; pois o que eu poupo não pagando nada ao sol, eu uso para comprar roupas, móveis, velas."

Similarmente, suponha que alguém lhe diga: "Esses canalhas ingleses amortizaram seus investimentos."

Responda: "Melhor para nós; eles não nos obrigarão a pagar juros."

Suponha que alguém lhe diga: "Esses pérfidos ingleses encontram ferro e carvão nas mesmas minas."

Responda: "Melhor para nós; eles não cobrarão nada por trazê-los juntos."

Suponha que alguém lhe diga: "Os suíços têm exuberantes pastos que custam pouco."

Responda: "A vantagem está do nosso lado, pois isso significa que menos trabalho será demandado da nossa parte para promover nossa agricultura doméstica e conseguir comida."

Suponha que alguém lhe diga: "Os campos da Criméia não têm valor e não pagam impostos."

Responda: "O lucro está do nosso lado, uma vez que o trigo que compramos está isento desses custos."

Suponha que alguém lhe diga: "Os servos da Polônia trabalham sem salários."

Responda: "O azar é deles e o lucro é nosso; uma vez que o trabalho deles não é incorporado ao preço do trigo que seus mestres nos vendem."

Finalmente, suponha que alguém lhe diga: "Os outros países têm muitas vantagens sobre nós."

Responda: "Através do comércio, eles são, na verdade, compelidos a nos deixar dividir essas vantagens."

Suponha que alguém lhe diga: "Com o livre comércio, nós vamos ser inundados de pão, bife à la mode, carvão e sobretudos."

Responda: "Então nós não vamos ter fome nem frio."

Suponha que alguém lhe pergunte: "Como pagaremos?"

Responda: "Não deixe isso lhe preocupar. Se nós formos inundados, será porque nós podemos pagar, e se não pudermos, não seremos inundados."

Suponha que alguém lhe diga: "Eu seria a favor do livre comércio se os estrangeiros, ao nos trazer seus produtos, levassem os nossos em troca; mas eles levam o nosso dinheiro."

Responda: "Dinheiro não nasce mais nos campos de Beauce do que nasce o café, e nem é produzido pelas oficinas de Elbeuf.2 Para nós, pagar estrangeiros em espécie é o mesmo que pagá-los com café."

Suponha que alguém lhe diga: "Coma carne."

Responda: "Permita que ela seja importada."

Suponha que alguém lhe diga, como o La Presse: "Quando não se pode comprar pão, deve-se comprar carne."

Responda: "Esse conselho é tão sábio quanto o do sr. Abutre ao seu inquilino:
Quando não se pode pagar o aluguel,
Deve-se comprar uma casa própria."3
Suponha que alguém lhe diga, como o La Presse: "O governo deveria ensinar às pessoas por que e como elas devem comer carne."

Responda: "O governo tem só que permitir a importação de carne; as pessoas mais civilizadas do mundo são suficientemente crescidas para aprender como comê-la sem ser ensinadas."

Suponha que alguém lhe diga: "O governo deveria saber e antecipar tudo para gerenciar as vidas das pessoas e as elas precisariam apenas se deixarem cuidar."

Responda: "Existe um governo à parte das pessoas? Há alguma previsão humana fora da humanidade? Arquimedes poderia repetir em todos os dias de sua vida 'Dê-me um fulcro e uma alavanca e eu moverei o mundo'; ele nunca, contudo, poderia movê-lo, pois não tinha um fulcro e uma alavanca. O fulcro do estado é a nação e nada é mais insensível que basear tantas expectativas sobre o estado, isto é, assumir a existência de uma sabedoria e poder de previsão coletivos após tomar por certa a existência da imbecilidade e imprevidência individuais."

Suponha que alguém lhe diga: "Pelos céus! Eu não estou pedindo por favores, mas apenas uma tarifa alfandegária suficiente para compensar os pesados impostos aos quais a França está sujeita; apenas uma pequena tarifa igual ao que esses impostos adicionam ao preço de venda do meu trigo."

Responda: "Mil perdões, mas eu também pago impostos. Se, então, a proteção para a qual você está votando tem o efeito de adicionar ao preço que eu pago pelo trigo uma quantia exatamente igual à sua parte dos impostos, o que suas melífluas palavras vêm a significar não é nada menos que uma demanda pelo estabelecimento entre nós de um arranjo que, como formulado por você, poderia ser expressado nos termos seguintes: 'Considerando que os custos do público são pesados, eu, como vendedor de trigo, não devo pagar absolutamente nada, e você, meu vizinho que o compra, deve pagar dobrado, a saber, sua quota e a minha também.' Mercador de trigo, você pode, meu vizinho, ter a força do seu lado; mas certamente não tem a razão."

Suponha que alguém lhe diga: "É, contudo, muito difícil para mim, que pago impostos, competir no meu próprio mercado com um estrangeiro que não paga nenhum."

Responda:

"1. Em primeiro lugar, não é o seu mercado, mas nosso mercado. Eu, que dependo do trigo e pago por ele, tenho que ser levado em conta por algo também.

"2. Poucos estrangeiros hoje em dia estão isentos de impostos.

"3. Se o imposto a que você está votando retorna a você, na forma de ruas, canais, segurança, etc, mais do que lhe custa, você não está justificado em barrar às minhas custas, a competição dos estrangeiros que não pagam o imposto, mas que, também, não aproveitam as vantagens da segurança, das ruas e canais que você tem. Faria tanto sentido quanto dizer: 'Eu demando uma tarifa compensatória, porque eu tenho melhores roupas, cavalos mais fortes e melhores arados que o camponês russo.'

"4. Se o imposto não lhe dá retorno, não vote por ele.

"5. E, finalmente, depois de votar o imposto, você deseja se eximir dele? Então inventa algum esquema que o desvie para os estrangeiros. Mas as tarifas fazem sua parte dos impostos recaírem sobre mim, que já tenho impostos suficientes para suportar."

Suponha que alguém lhe diga: "Para os russos, o livre comércio é necessário para permitir que eles troquem seus produtos com vantagem." (Opinião expressada pelo sr. Thiers em comitê em abril de 1847.)

Responda: "O livre comércio é necessário em todo lugar e pela mesma razão."

Suponha que alguém lhe diga: "Cada país tem suas necessidades e deve agir de acordo." (sr. Thiers.)

Responda: "Ele age de acordo quando não é impedido de fazê-lo."

Suponha que alguém lhe diga: "Uma vez que não possuímos lençóis de ferro, devemos permitir sua importação." (sr. Thiers.)

Responda: "Muito obrigado!"

Suponha que alguém lhe diga: "Nossa marinha mercante precisa de fretes. A falta de cargas nas viagens de volta não deixa que nossos navios compitam com embarcações estrangeiras." (sr. Thiers.)

Responda: "Quando um país quer produzir tudo em casa, não pode ter cargas nem para exportar nem para importar. É tão absurdo querer uma marinha mercante quando os produtos estrangeiros são barrados quanto seria querer uma carroça onde todos os carregamentos foram proibidos."

Suponha que alguém lhe diga: "Mesmo concedendo que o sistema protecionista seja injusto, tudo foi organizado com base nele: o capital foi investido, direitos foram adquiridos; o sistema não pode ser mudado sem sofrimento."

Responda: "Toda injustiça é lucrativa para alguém (exceto, talvez, a restrição, a qual no longo prazo não beneficia ninguém); expressar alarme quanto ao deslocamento que um fim à injustiça causa à pessoa que está lucrando com ela é o mesmo que dizer que uma injustiça, somente porque existiu por um momento, deva perdurar para sempre."



Notas:

1 Não seria econômico retirar minério com um retorno tão baixo. [N.T.]
2 Beauce é região produtora de grãos na região norte-central da França. Elbeuf é uma cidade industrial perto de Rouen. [N.T.]
3 Da peça Senhor Abutre (Monsieur Vautour) do dramaturgo francês Marc Antoine Madeleine Désaugiers (1772-1827). O nome se tornou uma gíria comum usada para tipificar o usurário, credor e proprietário de terras sem coração. [N.T.]
Frédéric Bastiat (1801-1850) foi um economista, panfletista, liberal clássico e membro da Assembléia Nacional Francesa. Seus trabalhos mais conhecidos estão disponíveis em Bastiat.org.