Se eu falar do ciclo econômico durante esta palestra, eu não penso somente ou primariamente nos terremotos financeiros pelos quais passamos nos últimos anos ao redor do mundo. Provavelmente seria mais interessante falar sobre esses eventos dramáticos — sobre especulação, empréstimos intermediários, o colapso do mercado de ações, falências em larga escala, pânicos, agudas crises crises financeiras de tipo externo ou interno, drenagens de ouro e sobre as repercussões políticas e econômicas de tudo isso. Eu resistirei, contudo, à tentação de fazer isso e tentarei, pelo contrário, abordar os movimentos econômicos mais fundamentais que subjazem àqueles fenômenos conspícuos que eu indiquei.
Para um completo entendimento dos ciclos econômicos é absolutamente indispensável distinguir entre um movimento primário e fundamental e um movimento secundário e acidental. A aparência fundamental do ciclo econômico é um movimento ondulado da atividade empresarial — se me é permitido usar por ora essa vaga expressão. O desenvolvimento de nossa moderna vida econômica não é um crescimento uniforme e contínuo; é interrompido, não apenas por perturbações externas como guerras e catástrofes similares, mas demonstra uma descontinuidade inerente; períodos de rápido progresso são seguidos por períodos de estagnação.
A atenção dos economistas foi primeiro capturada por esses fenômenos secundários e acidentais — intensos colapsos e pânicos financeiros. Eles tentaram explicá-los em termos de acidentes individuais, erros, e especulações mal calculadas dos donos dos bancos e de empresas que estavam principalmente envolvidos. Mas a recorrência regular desses acidentes durante o século XIX deixaram claro para os economistas que eles não haviam sido acidentes isolados, mas sintomas de uma doença severa que afeta todo o corpo econômico.
Durante a segunda metade do século XIX houve uma evidente tendência de essas perturbações ficarem mais brandas. Especialmente aqueles eventos conspícuos, colapsos, falências e pânicos, se tornaram menos numerosos e houve até mesmo ciclos econômicos dos quais eles estavam completamente ausentes. Antes da guerra, era a crença geral dos economistas de que essa tendência persistiria e que esses colapsos dramáticos e pânicos que o século XIX havia testemunhado pertenciam definitivamente ao passado.
Agora, a presente depressão mostra que nós nos regozijamos muito cedo, que nós ainda não nos livramos dessa praga do sistema capitalista.
Mas, no entanto, muito pode e deve ser aprendido com experiência passada: se nós queremos um entendimento mais profundo do mecanismo interno do nosso sistema capitalista que ocasiona esses movimentos cíclicos, nós precisamos tentar explicar o fenômeno fundamental, abstraído desses eventos acidentais, os quais podem estar ausentes ou presentes.
Se nós desconsiderarmos esses fenômenos secundários, o ciclo econômico se apresenta como um periódico crescimento e declínio da atividade empresarial, ou, para colocar em termos mais precisos, do volume de produção. O crescimento secular da produção não demonstra uma tendência contínua sem interrupções para cima, mas um movimento ondulado em torno de seu crescimento anual médio. Não faz tanta diferença se os movimentos dessas ondas empresariais são caracterizados por uma queda absoluta do volume de produção ou apenas por uma diminuição da taxa de crescimento.
Nesta palestra, eu não estou preocupado com os instrumentos ingênuos inventados pelos estatísticos para isolar os movimentos cíclicos de outros movimentos periódicos ou erráticos que os sobrepõem ou são sobrepostos por eles. Eu assumo, primeiramente, que nós temos algo como um ciclo econômico, o qual não é idêntico aos movimentos sazonais dentro de um ano ou às perturbações erráticas irregulares causadas por guerras, períodos de inflação governamental e coisas do tipo; é necessário colocar dessa forma, porque mesmo a existência do fenômeno em questão tem sido duvidada. Em segundo lugar, eu assumo que nós fomos capazes de isolar esse movimento estatisticamente.
Nossa preocupação principal será com a explicação desse movimento e especialmente com o papel da moeda, no sentido mais amplo do termo, incluindo moeda de crédito e bancária.
Não há quase nenhuma explicação do ciclo econômico — eu hesito um pouco em falar "teoria do ciclo econômico", porque muitas pessoas desenvolveram um certo preconceito contra esse termo — na qual o fator monetário não tenha um papel decisivo. A seguinte consideração deve mostrar porque isso deve ser necessariamente dessa forma: ainda abstraindo-se os supracitados fenômenos secundários, um dos sintomas externos mais evidentes do ciclo econômico é o aumento dos preços durante a prosperidade e a queda deles durante a depressão. Por outro lado, há um aumento no volume de produção durante o movimento de crescimento e uma diminuição durante o declínio. Mas não apenas mais mercadorias são produzidas, mas também em outros ramos da economia há um aumento das transações — e.g., no mercado de ações. Portanto, nós podemos dizer com segurança que há um considerável aumento do volume de pagamentos durante o movimento crescente do ciclo e uma distinta diminuição de seu volume durante a depressão.
Agora, está claro que, para suportar esse maior volume de pagamentos, um aumento dos meios de pagamento é necessário — meios de pagamento no sentido mais amplo do termo. Uma das seguintes coisas precisa acontecer:
(a) Um aumento do ouro e da moeda legal para pagamentos;
(b) Um aumento das notas bancárias;
(c) Um aumento dos depósitos bancários e dos créditos bancários;
(d) Um aumento da circulação de cheques, notas e de outros meios de pagamento que são regular ou ocasionalmente substituídos por dinheiro normal;
(e) Um aumento da velocidade de circulação de um ou todos esses meios de pagamento;
Eu não digo que essa enumeração seja exaustiva ou sistemática. Ela é em grande parte uma questão de conveniência terminológica, de como se prefere se expressar. Um autor prefere chamar depósitos bancários, dos quais cheques retirados, moeda, moeda bancária, moeda de crédito. Outros autores preferem restringir o termo "moeda" ao dinheiro legalmente obrigatório e falar então de depósitos bancários como meios de poupar dinheiro ou de fazê-lo mais eficiente em fazer pagamentos ao aumentar sua velocidade de circulação. Outros ainda têm uma aversão ao termo "velocidade de circulação" e preferem falar de mudanças nos requerimentos de dinheiro e meios de pagamento.
Sem entrar muito nesses detalhes técnicos, está claro, eu espero, que precisa ocorrer de uma forma ou de outra durante o movimento crescente do ciclo uma expansão dos meios de pagamento e durante o movimento declinante uma contração correspondente.
Nenhuma teoria séria, nenhuma explicação do ciclo, pode negligenciar, desconsiderar ou negar esse fato. Diferenças podem surgir apenas (a) com respeito à forma particular pela qual a expansão acontece — se ela é primariamente um aumento da quantidade de moeda creditícia, ou de moeda legal, ou de ouro, ou apenas da velocidade de circulação de um desses — e (b) quanto à seqüência causal.
Quanto à relação causal, falando de forma ampla, duas possibilidades parecem estar abertas:
1. Pode-se assumir que o impulso surge pelo lado da moeda, que a circulação é expandida por uma ação deliberada dos bancos ou de outras autoridades monetárias e que isso faz com que a cadeia de eventos ocorra; ou 2. Pode-se ter a opinião de que as autoridades monetárias têm um papel passivo; que a iniciativa vem do lado das mercadorias, que as mudanças na demanda por certas mercadorias, mudanças na estrutura de produção, invenções e melhorias, grandes colheitas ou forças psicológicas, uma onda de otimismo e pessimismo — que um desses fenômenos e suas repercussões são culpados por um aumento ou diminuição do volume de produção e que isso, por seu lado, leva à circulação de uma maior quantidade de meios de pagamento. Um maior fluxo de bens induz a um maior fluxo de moeda.
As teorias do primeiro grupo, que mantêm que a causa ativa do ciclo está no lado da moeda, podem ser chamadas de "teorias monetárias" do ciclo econômico. Num sentido mais amplo, contudo, nós podemos incluir no grupo de teóricos monetários também todos aqueles que admitem que o impulso pode também vir do lado das mercadorias, mas que sustentam que uma política apropriada das autoridades monetárias, uma efetiva e elástica regulação do volume de meios circulantes, pode antecipar todas as perturbações sérias.
Como todos vocês sabem, o critério mais freqüentemente recomendado para essa política é o da "estabilização do nível de preços" em um outro sentido dos muitos significados desse termo ambíguo. Vocês concordarão que é impossível discutir esse problema exaustivamente em uma hora. Então eu vou me restringir a apontar as insuficiência desse tipo de teoria monetária e de suas recomendações para a remediação do ciclo econômico, a qual se centra nas mudanças no nível de preços. Eu vou tentar, então, indicar uma teoria monetária mais refinada do ciclo, a qual foi desenvolvida nos últimos anos, embora ela não seja tão bem conhecida neste país quanto deveria. Esta refinada teoria parece explicar algumas características do ciclo, especialmente do último, que não são completamente compatíveis com a forma mais crua da abordagem monetária, que identifica as influências monetárias com as mudanças no nível geral de preços.
A teoria monetária tradicional, que é representada por autores conhecidos como o sueco Professor Cassel e pelo sr. Hawtrey do tesouro britânico, considera o movimento crescente e decrescente do ciclo econômico como uma réplica de uma simples inflação ou deflação governamental. Para ser preciso, eles são — em regra — uma forma mais branda de inflação ou deflação, mas no fundo são exatamente iguais. O sr. Hawtrey afirma isso sem reservas em seu famoso dito: "O ciclo econômico é um fenômeno puramente monetário" e é, em princípio, igual à inflação durante a guerra ou à deflação, isto é, a redução da quantidade de meios circulantes, os quais foram deliberadamente empreendidos por certos governos para aproximar ou para restaurar a paridade pós-guerra de suas moedas.
Hawtrey reconhece e enfatiza, é claro, a diferença em grau entre os dois tipos de inflação e deflação, a saber, que a expansão e a contração no decurso do ciclo econômico é produzida principalmente por um mal-ajuste da taxa de desconto, a qual não é a forma pela qual uma inflação governamental é criada. É hoje em dia uma doutrina quase geralmente aceita a de que a taxa de desconto do sistema bancário, especialmente dos bancos centrais, induz as pessoas a pegar mais emprestado, fazendo com que a quantidade de meios circulantes aumente e os preços aumentem. Um aumento da taxa de desconto tem o efeito oposto — ela tende a deprimir os preços ou, se eles estavam aumentando, a frear o movimento de aumento. Eu sei, é claro, que essa afirmação precisa de algumas qualificações. Eu acredito, contudo, que na frente de uma audiência tão competente, vai ser suficiente dizer que ela é literalmente verdade somente se a influência da mudança da taxa de desconto não for compensada por nenhuma outra força que mude a disposição dos empresários a contrair débitos. Mas, dadas todas essas circunstâncias, isto é, ceteris paribus, uma mudança na taxa de desconto terá o mesmo efeito indicado nos preços. Em qualquer dada situação há uma taxa que mantém o nível de preços constante. Se a taxa for forçada para baixo de seu ponto de equilíbrio, os preços terão uma tendência a subir; se a taxa for elevada acima do ponto de equilíbrio, os preços tenderão a cair.
Agora, de acordo com o sr. Hawtrey, há uma tendência no nosso sistema bancário a manter a taxa de juros muito baixa durante o movimento crescente do ciclo; então os preços sobem, nós temos uma inflação de crédito e cedo ou tarde os bancos são forçados a tomar medidas para proteger suas reservas — eles aumentam a taxa e criam a crise e a depressão.
Não há tempo aqui para entrar em detalhes, para discutir a engenhosa explicação que o sr. Hawtrey oferece para o fato de que os bancos sempre vão longe demais, que eles se movimentam como um pêndulo de um extremo a outro e não param no ponto de equilíbrio. O motivo que o sr. Hawtrey aponta para isso é diferente do motivo que o Professor Irving Fisher e outros autores deste grupo apontam. O que eles têm em comum é que apontam que os fatores de perturbação agem através de mudanças do nível de preços. É é através de mudanças do nível de preços que a expansão e a contração do crédito e da moeda agem sobre o sistema econômico, e todos concordam que a estabilidade do nível de preços é um critério suficiente de uma regulação racional do crédito. Se fosse possível manter o nível de preços estável, a prosperidade nunca seria seguida por uma depressão. Se o nível de preços puder se elevar e a ocorrer a inevitável reação, seria possível parar a depressão e restaurar o equilíbrio, se for possível parar a queda dos preços.
Deixe-me agora indicar brevemente por que essa explicação me parece insuficiente. Ou, em outras palavras, eu tentarei mostrar que (a) o nível de preços é freqüentemente um guia enganador para a política monetária e que sua estabilidade não é uma garantia suficiente contra crises e depressões, porque (b) uma expansão do crédito tem uma influência muito mais profunda e fundamental em toda a economia, especialmente na estrutura de produção, que aquela expressada por uma mera mudança do nível de preços.
O principal defeito dessas teorias é que elas não distinguem entre uma queda de preços que aconteça devido a uma real contração dos meios circulantes e uma queda de preços que seja causada pelo corte de custos como conseqüência de invenções e avanços tecnológicos. (Eu devo, contudo, mencionar que essa crítica particular não se aplica ao sr. Hawtrey, que, por uma peculiar interpretação do termo "nível de preços", reconhece essa distinção, embora ele não pareça extrair as conclusões necessárias.)
É verdade que, se houver uma baixa absoluta da quantidade de moeda, a demanda vai cair, os preços terão que cair e uma séria depressão ocorrerá. Condições normais só retornarão quando todos os preços houverem abaixado, incluindo os preços dos fatores de produção, especialmente salários. Esse pode ser um processo longo e doloroso, porque alguns preços, e.g., salários, são rígidos e alguns preços e débitos são definitivamente fixados por um longo tempo e não podem ser alterados de forma alguma.
Disso, entretanto, não se segue que o mesmo é verdadeiro se os preços caem por causa de uma baixa dos custos. É agora geralmente aceito que o período anterior à presente depressão foi caracterizado pelo fato de que muitos avanços tecnológicos ocorreram em larga escala, especialmente na produção de matérias-primas e de produtos agrícolas, mas também no campo da manufatura.
O natural nessa situação seria que os preços caíssem gradualmente, e aparentemente essa queda de preços não pode ter as mesmas conseqüências ruins que uma queda de preços causada por uma queda da quantidade de moeda. Nós poderíamos falar, talvez, de uma "relativa deflação" da quantidade de moeda, relativa ao fluxo de bens, em contraposição a uma "deflação absoluta".
Especialmente aqueles autores que enfatizam a escassez de ouro como uma causa da presente depressão são culpados por negligenciar a diferença radical entre uma deflação absoluta e relativa. Uma escassez de ouro só poderia ocasionar uma deflação relativa, que nunca poderia ter os efeitos desastrosos da presente depressão. Da forma mais indireta pela qual a "pequeneza" da produção anual de ouro tem talvez a ver com — eu não me arrisco a dizer "é a causa da" — agudeza da presente depressão e com a força da queda dos preços, eu falarei mais tarde.
Agora, como eu já disse, durante os anos de 1924 a 1927 e 1928 nós experimentamos um crescimento sem precedentes do volume de produção. Os preços das mercadorias, por outro lado, medidos pelo índice geral de preços, ficaram relativamente estáveis, como todos sabem. Disso se segue que, e investigações estatísticas diretas verificaram, que o volume de meios circulantes foi aumentado. Nós poderíamos dizer que houve uma "relativa inflação", isto é, uma expansão dos meios de pagamento que não resultou de um aumento dos preços das mercadorias, porque ele foi grande o suficiente para compensar o efeito de um crescimento paralelo do volume de produção.
Agora parece haver uma óbvia presunção de que foi precisamente essa inflação relativa que causou todo o problema. Se isso fosse verdade — e a mim parece bem provável — seria evidente que o nível de preços é um guia enganador para a política monetária e que há influências monetárias trabalhando no sistema econômico que não têm uma expressão adequada na mudança do nível do índice de preços, pelo menos como medido pelo índice geral de preços. E, na verdade, existem essas amplas influências de certas mudanças monetárias no sistema econômico — elas podem se expressar a partir de uma mudança no índice de preços ou não — as quais foram totalmente negligenciadas pela tradicional explicação monetária, embora os sintomas externos dessa influência sejam bem reconhecidos (mas diferentemente interpretados) por algumas teorias não-monetárias e estudos descritivos dos ciclos econômicos.
Essas mudanças as quais eu tenho em mente e devo agora tentar analisar são mudanças do que eu chamarei de estrutura vertical de produção, causada por mudanças na oferta de crédito para produzir. Se nós tivermos que analisar um sistema econômico, nós podemos fazer uma seção vertical e outra horizontal através dele. A seção horizontal exibiria diferentes ramos ou linhas de indústrias diferenciadas pelos bens de consumo, que são o resultado final desses diferentes ramos: aqui nós temos a indústria de comida, incluindo a agricultura, a indústria de roupas, a indústria de exposições, etc. Indústrias que produzem bens de produção — digamos, a indústria de ferro e aço — pertencem simultaneamente a diferentes ramos nesta linha horizontal, porque o ferro e o aço são usados na produção de muitos dos bens de consumo. A velha afirmação de que uma superprodução geral é impensável, que nós nunca podemos ter demais de todos os bens, porque as necessidades humanas são insaciáveis, mas que sérias desproporções podem se desenvolver como conseqüência de uma superprodução parcial, esta afirmação se refere principalmente à estrutura de produção horizontal. Desproporcionalidade neste sentido significa que, por uma razão ou por outra, a proporção apropriada de recursos produtivos dedicados a diferentes ramos da indústria foi perturbada — que, e.g., a indústria automobilística está sobredesenvolvida, que mais capital e trabalho foram investidos nessa indústria do que é justificado pela demanda comparativa pelo produto dessa indústria e por outros produtos industriais. Eu espero que esteja claro o que eu quero dizer quando falo da estrutura horizontal e das desproporcionalidades horizontais de produção.
Nós fazemos, por outro lado, uma seção vertical através de um sistema econômico se seguirmos cada bem finalizado, pronto para o consumo, até as diferentes fases de produção e notarmos por quantos estágios um bem particular tem que passar antes que chegue ao consumidor final. Tome-se, e.g., um par de sapatos e trace sua árvore genealógica econômica. Nosso caminho nos leva do varejista, através do atacadista, até a fábrica de sapatos; e, seguindo um dos diferentes filamentos que se encontram neste ponto, digamos uma máquina de costura usada para a fabricação de sapatos, nós somos levados para a indústria de máquinas, para a usina de aço, e eventualmente para a mina de carvão e de ferro. Se nós seguirmos outro ramo, ele nos levará à fazendo que criou o gado do qual o couro foi tirado. E, além disso, há muitos estágios intermediários entre essas fases maiores do processo produtivo, a saber, os vários serviços de transporte. Todo bem tem que passar por vários estágios sucessivos de preparação antes que os retoques finais sejam aplicados e que eventualmente ele chegue ao consumidor final. Leva um período de tempo considerável seguir uma parte particular através de todo esse processo, da fonte desse fluxo até a desembocadura, onde acaba e desaparece no mar sem fundo do consumo. Porém, quando o processo inteiro é uma vez completado e cada um dos estágios sucessos é apropriadamente equipado com capitais fixos e circulantes, nós podemos esperar um fluxo contínuo de bens de consumo.
Agora, no equipamento desses estágios sucessivos de produção, o estoque de capital de um país, o qual foi acumulado durante os séculos, é incorporado. A quantidade de capital acumulado é a medida do período do curso. Num país rico esse curso é muito grande e os bens têm que passar por muitos estágios antes de chegar ao consumidor. Num país pobre, esse curso é muito menor e o volume de produção é correspondentemente menor.
Se, durante um tempo de progresso econômico, o capital é acumulado e investido, novos estágios de produção são adicionados ou, em termos técnicos econômicos, o processo de produção é estendido, ele se torna mais roundabout.1 Se você comparar a forma pela qual nós produzimos hoje em dia com os métodos dos nossos pais, os processos produtivos de um país rico com os de um país pobre, inúmeros exemplos podem ser encontrados.
Mas o que isso tem a ver com o ciclo econômico. Agora, quando eu falei da estrutura de produção vertical e das forças monetárias sobre ela, eu pensei de uma extensão e de uma diminuição do processo produtivo. Obviamente, assim como deve haver uma certa proporção entre os diferentes ramos horizontais da indústria, deve também haver uma certa relação dos recursos produtivos — trabalho e capital — que são dedicados aos estágios mais altos ou mais baixos de produção respectivamente, à produção de bens de consumo por meio do existente aparato produtivo e ao aumento desse aparato para futura maior produção de bens de consumo.
Se, e.g., trabalho demais for usado para estender o processo e muito pouco para o consumo presente, nós teremos um mal-ajuste da estrutura vertical de produção. Pode-se mostrar que certas influências monetárias, concretamente uma expansão do crédito pelos bancos que baixa a taxa de juros além daquela taxa que prevaleceria se apenas aquelas somas que são deliberadamente poupadas pelo público de suas rendas presentes fosse canalizada para o mercado de capitais, pode-se mostrar que essa queda artificial da taxa de juros vai induzir os empresários a estender excessivamente o processo de produção, em outras palavras, a fazer sobreinvestimentos. Como a finalização do processo produtivo leva um período considerável de tempo, só aparece tarde demais que esses novos processos iniciados são muito longos. A reação que é inevitavelmente produzida — como, nós já veremos — é o aumento da taxa de juros para seu nível natural, ou ainda mais alto. Então esses novos investimentos não são mais lucrativos e se torna impossível finalizar as novas formas estendidas de produção. Eles têm que ser abandonados e os recursos produtivos têm que ser realocados nos métodos antigos, mais curtos, de produção. Esse processo de ajuste da estrutura vertical de produção, que necessariamente implica uma perda de grandes quantidades de capital fixo que é investido nos processos mais longos e que não pode ser realocada, ocorre durante e constitui a essência do período de depressão.
Infelizmente, é impossível discutir aqui todos os passos desse processo e compará-los às fases correspondentes do ciclo econômico os quais eles descrevem e explicam. Eu espero que seja possível fornecer a vocês uma idéia clara do que acontece nas nossas sociedades capitalistas durante o ciclo econômico por meio de uma comparação com um evento correspondente numa economia comunista.
O que os russos estão fazendo agora, ou tentando fazer — o plano quinqüenal — não é nada além de uma tentativa desesperado de aumentar o período dos processos de produção e, por meio disso, aumentar a futura produção de bens de consumo. Em vez de produzir bens de consumo com os métodos primitivos existentes, eles restringiram a produção para propósitos imediatos de consumo ao mínimo indispensável. Em vez de sapatos e casas, eles produzem usinas de força, fábricas de aço, tentam melhorar o sistema de transporte, em suma, construir um aparato produtivo que produzirá bens de consumo somente depois de um período considerável de tempo.
Agora, suponham que se torne impossível completar esse ambicioso plano. Assumam que o governo chegue à conclusão de que a população não pode agüentar o enorme esforço, ou que uma revolução ameaça estourar, ou que por voto popular se decida mudar a política. Em qualquer caso, se eles forem forçados a desistir dos novos processos estendidos de produção e a produzir bens de consumo o mais rápido possível, eles terão que parar de construir suas usinas de força, fábricas de aço e fábricas de tratores e, em vez disso, tentar produzir apressadamente simples implementos e ferramentas para aumentar a produção de comida, sapatos e casas. Isso significaria uma enorme perda de capital, afundada naqueles trabalhos agora abandonados.
O que numa sociedade comunista é feito através da decisão de um conselho econômico supremo é, em nossa sociedade individualista, causado pela ação coletiva, mas independente, dos indivíduos e efetivado pelo mecanismo de preços. Se muitas pessoas, indivíduos ou corporações, decidirem poupar, restringir por algum tempo, seus consumos, a demanda por e a produção de bens de consumo cai, os recursos produtivos são desviados para os estágios mais altos de produção e o processo de produção é estendido.
Se nós dependermos da poupança voluntária, nós podemos assumir que durante todo ano, aproximadamente a mesma proporção da riqueza nacional vai ser poupada — embora nem sempre pelos mesmos indivíduos. Então nós temos um grande fluxo de poupança, e o ajuste da produção não ocorre através de desvios reais de recursos produtivos investidos, mas em termos de uma duradoura deflexão do fluxo de recursos produtivos para outros canais.
Não há motivo por que isso não deva acontecer suave e continuamente. Flutuações violentas são introduzidas pela influência dos bancos neste processo. O efeito da decisão voluntária do público de poupar, i.e., de desviar os recursos produtivos da presente produção de bens de consumo para a extensão do processo, pode ser produzido também pelo sistema bancário. Se os bancos criarem crédito e o colocarem a disposição de certos empresários que desejam usá-lo para produção, aquela parte da fluxo de dinheiro que é direcionada para os estágios mais altos de produção é aumentada. Mais recursos produtivos serão desviados da produção presente de bens de consumo para a extensão do processo que corresponde à decisão voluntária dos membros da comunidade econômica. Isso é o que os economistas querem dizer com poupança forçada. Primeiro tudo corre normalmente. Mas logo os preços começam a aumentar, porque aquelas firmas que conseguiram a nova moeda a usam para pagar pelos fatores de produção — trabalho e capital — que estavam produzindo bens de consumo. Os salários e preços sobem e uma restrição do consumo é imposta sobre aqueles que não são capazes de aumentar suas rendas em dinheiro. Se através do investimento anterior de poupanças voluntárias já há uma tendência de o nível de preços cair, o novo crédito em vez de resultar uma absoluta elevação dos preços pode simplesmente compensar a queda de preços que de do contrário ocorreria.
Mas, por algum tempo, uma reação ocorre a qual tende a restaurar o velho arranjo que foi distorcido pela injeção de moeda. A nova moeda se torna renda nas mãos dos fatores que foram contratados e retirados dos estágios de produção mais baixos, e os recipientes dessa renda adicional provavelmente continuarão com suas habituais proporções de poupança e consumo, isto é, eles tentarão aumentar os próprios consumos novamente.
Se eles fizerem isso, a proporção anterior de fluxo de moeda direcionada à compra de bens de consumo e de bens de produção será restaurada. Por algum tempo pode ser possível superar essa contratendência e continuar a política de expansão fazendo novas injeções de crédito. Mas essa tentativa levaria a um progressivo aumento dos preços e precisa ser deixado de lado cedo ou tarde. Então a velha proporção da demanda por bens de consumo e bens de produção será definitivamente restaurada. A conseqüência é que aquelas firmas nos estágios mais baixos de produção que foram forçadas a restringir de alguma forma suas produções porque os fatores de produção foram desviados, vão ser capazes de tirar recursos produtivos dos estágios mais altos. As novas formas estendidas de produção, que foram assumidas através do estímulo artificial de uma expansão de crédito, ou pelo menos uma parte deles, se tornam não-lucrativos. Eles serão descontinuados e a crise e a depressão começarão. Poderia ter sido diferente se os novos processos tivessem sido terminados quando a moeda adicional havia se tornado renda e entrado no mercado de bens de consumo. Neste caso, a demanda adicional encontraria oferta adicional; ao aumento do fluxo de moeda corresponderia um aumento do fluxo de bens. Isso, contudo, é quase impossível, porque, como o sr. Robertson demonstrou, o período de produção é muito mais longo que o período de circulação da moeda. A nova moeda deve ir para o mercado de bens de consumo muito antes que os novos processos sejam completados e produzam bens prontos para o consumo.
A explicação da crise, da qual eu indiquei aqui apenas os contornos, poderia, é claro, ser elaborada, e foi elaborada. (Veja especialmente Hayek, Prices and Production, Nova York: Augustus M. Kelley, 1967). Se esta interpretação da crise e do colapso de grande parte da estrutura de produção está correta, parece comparativamente fácil explicar os eventos posteriores em termos mais familiares. Esse colapso inicial deve ter sérias repercussões. Na nossa economia de crédito altamente complexa onde toda parte do sistema está conectada com todas as outras, direta ou indiretamente, por laços contratuais, toda perturbação em um ponto se espalha para os outros. Se alguns bancos — aqueles nervos centrais onde inúmeros canais de relações de crédito se encontram — estão envolvidos e vão à falência, uma onda de pessimismo deve ocorrer: como um fenômeno secundário, é provável que uma deflação de crédito seja uma conseqüência da desconfiança e nervosia gerais. Todas essas coisas, sobre as quais a doutrina monetária tradicional constrói toda a sua explicação, tornarão as coisas ainda piores do que estão, e pode-se dizer que essa segunda onda da depressão, que é induzida pelo mal-ajuste mais fundamental, vai crescer a uma importância esmagadora. Isso depende em grande parte, no entanto, das circunstâncias concretas do caso em questão, das características peculiares da organização do crédito, de fatores psicológicos, e não precisa ter uma proporção definida da magnitude do deslocamento "real" da estrutura de produção.
Este é local para se dizer algumas palavras sobre uma conexão indireta entre a alegada insuficiente oferta de ouro e a presente depressão. É sem dúvida verdadeiro que desde antes da guerra a quantidade de ouro não cresceu tanto quanto o volume de pagamentos. Manter um nível de preços, mais ou menos 50 por cento mais alto que antes da guerra, foi possível apenas construindo-se uma estrutura de crédito muito maior sobre o estoque existente de ouro. Depois que o processo de inflação foi completado, isso não deveria causar problemas em tempos normais. Em momentos de crises financeiras agudas, quando a confiança se esvai e quando as corridas e pânicos aparecem, esse sistema se torna, contudo, extremamente perigoso. Se os meios de pagamento consistem principalmente de ouro e de notas cobertas por ouro e certificados, não há perigo que repentinamente uma grande parte dos meios circulantes suma. Um sistema mundial de pagamentos, contudo, que dependa em grande proporção de moeda de crédito, é sujeito a uma rápida deflação se essa delicada estrutura de crédito é balançada e destruída.
Por exemplo, a adoção de um padrão-ouro de troca por vários países equivale a levantar uma ousada superestrutura de crédito sobre o estoque existente de ouro do mundo; essa estrutura pode facilmente cair se esses países abandonarem o padrão-ouro de troca e readotarem o antigo padrão-ouro.
Seria, no entanto, completamente errado concluir a partir disso que nós temos que culpar a avareza da natureza, que a situação seria necessariamente bem diferente se a produção de ouro tivesse sido muito mais durante os últimos vinte anos. Outros fatores são responsáveis, principalmente a inflação durante e depois da guerra. Por meio dessa política monetária é sempre possível retirar do país qualquer estoque de ouro, tão grande quanto for. O natural é, então, substituir um padrão-ouro de troca pelo padrão-ouro abandonado, que significa, como eu já disse, a ereção de uma estrutura de crédito sobre o existente estoque de ouro.
Portanto, se a produção anual de ouro fosse maior do que realmente foi, a diferença teria sido apenas esta: a estrutura de crédito também teria se tornado maior e nós teríamos começado o último boom a partir de um nível de preços mais alto. Se essa é uma aposta correta do que teria acontecido — e me parece muito provável — as conseqüências econômicas do último período de expansão de crédito, 1927-29, e a presente deflação teriam sido exatamente iguais.
É de vital importância distinguir entre essas perturbações acidentais e os mal-ajustes primários "reais" do processo de produção. Se fosse apenas uma onda de pessimismo e uma absoluta deflação que causaram o problema, deveria ser possível se livrar do problema muito rapidamente. Afinal, uma deflação, forte como seja e por quaisquer circunstâncias ela tenha sido tornada possível e agravada, pode ser parada por métodos inflacionários drásticos dentro de um período comparativamente pequeno de tempo.
Se nós, porém, percebermos que no fundo desses fenômenos superficiais está um amplo deslocamento dos recursos produtivos, nós devemos perder a confiança em todos os charlatães econômicos e monetários que andam por aí por esses dias pregando medidas inflacionárias que trariam alívio quase instantâneo.
Se nós aceitarmos a proposição de que o aparato produtivo está fora de ordem, que grandes deslocamentos de trabalho e capital são necessários para restaurar o equilíbrio, então é enfaticamente inverdadeiro que o ciclo econômico é um fenômeno puramente monetário, como diria o sr. Hawtrey; isso não é verdade, embora as forças monetárias tenham causado todos os problemas. Esse deslocamento do capital físico real, distinto de mudanças puramente monetárias, não pode em caso algum ser curado num período muito curto.
Eu não nego que nós possamos e devamos combater os fenômenos secundários — um exagerado pessimismo e uma inflação injustificada. Eu não posso entrar nessa questão aqui, mas eu quero apenas dizer que nós não devemos esperar muito de um tratamento mais ou menos sintomático e, por outro lado, nós precisamos ter cuidado para não produzir novamente aquela desproporção artificial dos fluxos monetários direcionados para os bens de produção e consumo que levaram ao sobreinvestimento e produziram todo o problema. A pior coisa que poderíamos fazer é um fortalecimento unilateral do poder de compra do consumidor, porque foi precisamente esse desproporcional aumento da demanda por bens de consumo que precipitou a crise.
É uma grande vantagem dessa explicação monetária mais refinada, sobre a tradicional, esclarecer essas mudanças não-monetárias, "reais", devidas à forças monetárias. Ao fazer isso, ela ligou a explicação monetária e a não-monetária; ela retirou os elementos verdadeiros contidos em cada uma delas e as combinou num único coerente sistema. Ela leva em conta o fato de que cada período de boom é caracterizado por uma extensão de investimentos de capital fixo. É primariamente a construção do capital fixo e dos principais materiais usados para isso — ferro e aço — que as maiores mudanças ocorrem, a maior expansão durante o boom e as mais violentas contrações na depressão.
Esse fato, que foi enfatizado por todos os estudos descritivos dos ciclos econômicos, não foi usado pelas tradicionais explicações monetárias, as quais se dão em termos de mudanças no nível de preços e consideram os deslocamentos reais da estrutura de produção, se a levam em consideração, uma questão acidental desimportante. A explicação que eu indiquei não apenas descreve esse fato como faz a chamada explicação não-monetária do ciclo, mas o explica. Se a taxa de juros for baixada, todos os tipos de investimentos ficam ao alcance da consideração prática. Deixe-me citar um exemplo dado pelo sr. Keynes numa palestra para o Harris Foundation Institute no último ano: "Ninguém acredita que vá compensar eletrificar o sistema de ferrovias da Grã-Bretanha numa base de juros de 5 por cento. (...) A 3 e meio por cento é impossível discutir que valerá a pena. O mesmo deve ocorrer com outros infindáveis projetos técnicos."2 Está claro que especialmente aqueles ramos da indústria que empregam uma grande quantidade de capital fixo são favorecidos por uma redução da taxa de juros, como por exemplo as ferrovias, usinas, etc. Em seus cálculos de custos, os juros têm um importante papel. Mas há uma tendência geral indiscutível de substituição do trabalho por máquinas, se o capital se torna barato. Isto significa que mais trabalho e capital de trabalho é usado para produzir máquinas, ferrovias, usinas; comparativamente menos para a presente produção de bens de consumo. Em termos técnicos de economia: a extensão da produção é aumentada. O ponto crucial e também o ponto de desvio da análise do sr. Keynes é entender bem que uma reação precisa inevitavelmente ocorrer se essa expansão produtiva não for financiada por poupança real, voluntária, dos indivíduos ou corporações mas por crédito criado ad hoc. E é praticamente muito importante — o último boom devia ter deixado claro isso para nós — que um nível de preços estável das mercadorias não é uma salvaguarda suficiente contra esse estímulo artificial da produção. Em outras palavras, que uma inflação de crédito relativa, nos significado definido acima do termo, induzirá aos mesmos contra-movimentos que uma inflação absoluta.
Eu espero que isso os tenha dado uma idéia toleravelmente clara dessa melhorada explicação monetária dos ciclos econômicos. Novamente eu devo pedir a vocês para não tomarem como uma exposição completa o que pode apenas ser uma breve indicação. Uma discussão suficientemente detalhada do caso poderia apenas ser feita num grande volume. Portanto, eu peço que vocês suspendam seus julgamentos finais até que o argumento tenha sido completamente apresentado a vocês. Apenas uma objeção eu gostaria de antecipar. É verdade que essa teoria sofre de uma séria desvantagem: ela é muito mais complicada que a explicação monetária tradicional. Mas eu me arrisco a dizer que isso não é culpa da teoria, mas da malícia do objeto dela. Infelizmente, os fatos não são sempre tão simples como muitas pessoas gostariam que fossem.
Notas:
1 O termo "roundaboutness", que dá origem ao adjetivo "roundabout", se refere ao processo pelo qual bens de capital são produzidos para só mais tarde se produzirem bens de consumo. [N.T.]
2 Unemployment as a World Problem (Chicago, 1931), p.39.
Gottffried Haberler (1901-1995) foi um economista austríaco. Desenvolveu a teoria dos ciclos econômicos e do comércio internacional, onde aplicou vários aspectos das teorias da Escola Austríaca.