Ainda podemos evitar a inflação? - Friedrich A. Hayek

Este ensaio foi originalmente uma palestra ministrada na Foundation for Economic Education em maio de 1970 sob o título "Can We Still Avoid Inflation?". Foi traduzido da versão disponível no livro The Austrian Theory of Trade Cycle and Other Essays.

***

Em certo sentido, a questão do título desta palestra é puramente retórica. Eu espero que nenhum de vocês tenha suspeitado que eu duvidasse mesmo por um momento de que tecnicamente não há problemas em parar a inflação. Se as autoridades monetárias realmente querem fazer isso e estão preparadas para aceitar as conseqüências, elas podem fazer isso da noite para o dia. Elas controlam totalmente a base da pirâmide de crédito e um anúncio digno de confiança de que eles não vão mais aumentar a quantidade de notas bancárias em circulação e de depósitos bancários, e, se necessário, mesmo diminuí-las, fará o trabalho. Sobre isso, não há dúvida entre os economistas. Estou preocupado não com as possibilidades técnicas, mas com as políticas. Aqui, de fato, nós nos deparamos com uma tarefa tão difícil que mais e mais pessoas, inclusive pessoas altamente competentes, se resignaram à inevitabilidade da inflação continuada. Eu não conheço, na verdade, nenhuma tentativa séria de mostrar como nós podemos superar esses obstáculos que se encontram não na esfera monetária, mas no campo político. E eu não posso dizer que tenho uma medicina patente a qual eu tenho certeza que é aplicável e efetiva nas condições presentes. Mas eu não a considero uma tarefa além do escopo da ingenuidade humana, uma vez que a urgência do problema é geralmente compreendida. Meu objetivo principal esta noite é demonstrar claramente por que nós precisamos parar a inflação se queremos preservar uma sociedade viável de homens livres. Uma vez que essa necessidade urgente seja completamente compreendida, eu espero que as pessoas também tenham a coragem de derrubar os grandes obstáculos políticos para que tenhamos uma chance de restaurar uma economia de mercado operante.

Nas explicações dos livros-textos comuns, e provavelmente na opinião pública em geral, o único efeito danoso da inflação seriamente considerado é aquele das relações entre devedores e credores. É claro, uma depreciação imprevista do valor da moeda prejudica os credores e beneficia os devedores. Isso é importante, mas de forma alguma é o efeito mais importante da inflação. E já que são os credores que são prejudicados e os devedores os beneficiados, a maioria das pessoas não se importa particularmente, pelo menos até que elas percebam que na sociedade moderna a mais importante e numerosa classe de credores são os ganhadores de salário e os pequenos poupadores, e que os grupos mais representativos de devedores que lucram com a inflação são as empresas e instituições de crédito.

Mas eu não desejo aqui me estender neste familiar efeito da inflação o qual é também um dos que mais rapidamente se corrige. Vinte anos atrás eu ainda tinha alguma dificuldade em fazer meus estudantes acreditarem que se uma taxa anual de aumento de preços de cinco por cento foi geralmente esperada, nós teríamos taxas de juros de 9-10 por cento ou mais. Ainda parece haver algumas pessoas que não entenderam ainda que taxas desse tipo permanecerão enquanto continuar a inflação. Contudo, enquanto for este o caso e os credores entenderem que apenas uma parte de seus retornos brutos é retorno líquido, pelo menos os credores de curto prazo têm comparativamente pouca base para reclamar — embora os credores de longo prazo, como os donos de empréstimos para o governo e de outros debêntures, estejam parcialmente expropriados.

Há, contudo, outro aspecto maligno deste processo que eu devo pelo menos brevemente mencionar neste ponto. É ele que perturba a confiabilidade de todas as práticas de contabilidade e mostra forçosamente lucros espúrios muito além dos ganhos reais. É claro, um gerente sábio poderia levar isso em consideração também, pelo menos de forma geral, e tratar como lucros apenas o que permanece depois que ele tomou em conta a depreciação da moeda que afeta os custos de reposição de seu capital. Mas o coletor de impostos não vai permitir que ele faça isso e insistir em taxar todos os pseudo-lucros. Essa taxação é simplesmente o confisco de alguma substância do capital, e no caso de uma rápida inflação pode tornar-se uma questão muito séria.

Mas todas essas são questões secundárias as quais eu gostaria de relembrá-los antes de me focar nos efeitos menos conspícuos, mas, por essa mesma razão, mais perigosos, da inflação. Toda a convencional análise reproduzida na maior parte dos livros-textos prossegue como se um aumento nos preços médios significasse que todos os preços aumentam ao mesmo tempo numa porcentagem mais ou menos igual, ou que isso pelo menos é verdade para todos os preços determinados presentemente no mercado, deixando de fora os preços fixados por decreto ou por contratos de longo prazo, tais como preços de serviços públicos, alugueis e várias taxas convencionais. Mas isso não é verdade e nem mesmo possível. O ponto crucial é que enquanto o fluxo de gastos em moeda continua a aumentar e os preços das mercadorias e dos serviços se elevam, diferentes preços precisam aumentar, não ao mesmo tempo, mas sucessivamente, e que, como conseqüência, enquanto continuar esse processo, os preços que aumentam primeiro devem permanecer todo o tempo acima dos outros. Essa distorção de toda estrutura de preços desaparecerá somente algum tempo depois que o processo de inflação parar. Esse é um ponto fundamental o qual o nosso mestre, Ludwig von Mises, nunca se cansou de enfatizar pelos últimos sessenta anos. Parece necessário, no entanto, me estender mais neste ponto, uma vez que, como eu recentemente descobri com algum choque, ele não é apreciado nem explicitamente negado nem mesmo por um dos mais distintos economistas em vida.1

Que a ordem pela qual um aumento contínuo do fluxo de moeda aumenta os preços diferentes é crucial para um entendimento dos efeitos da inflação foi claramente visto há mais de dois séculos atrás por David Hume — e ainda antes dele, por Richard Cantillon. Foi para deliberadamente eliminar esse efeito que Hume assumiu como uma primeira aproximação que uma manhã todo cidadão do país acordasse em posse de um estoque de moeda miraculosamente duplicado. Mesmo isso não levaria a um aumento imediato de todos os preços pela mesmo porcentagem. Mas não é isso o que realmente acontece. O influxo de moeda adicional no sistema sempre acontece num ponto particular. Haverá sempre algumas pessoas que têm mais dinheiro para gastar antes que as outras. Quem são essas pessoas dependerá da forma particular pela qual o aumento do fluxo de moeda é conduzido. A nova moeda pode ser gasta em primeiro lugar pelo governo em obras públicas ou em salários mais altos, ou pode ser gasta por investidores fazendo seus balanços de caixa ou pegando emprestado para esse propósito; pode ser gasta em primeiro lugar em seguros, ou bens de investimento, ou com salários, ou com bens de consumo. Ela então será gasta em outra coisa pelos primeiros recipientes dos gastos adicionais, e assim por diante. O processo tomará formas muito diferentes de acordo com o recipiente inicial, ou recipientes iniciais, do fluxo de moeda; e todas as suas ramificações serão logo tão complexas que ninguém poderá rastreá-las. Mas uma coisa todas essas diferentes formas de processo terão em comum: que os preços diferentes aumentarão não ao mesmo tempo, mas em sucessão, e que enquanto o processo continuar, alguns preços estarão sempre na frente dos outros e toda a estrutura de preços relativos estará numa posição bem diferente do que o teórico puro descreve como uma posição de equilíbrio. Sempre existirá o que se pode descrever como um gradiente de preços em favor daquelas mercadorias e serviços atingidos primeiro pelo fluxo de moeda, em detrimento dos grupos sucessivos aos quais ela chega somente mais tarde — com o efeito de que o que aumentará como um todo não será um nível, mas um tipo de plano inclinado — se nós tomarmos como normal o sistema de preços que existia antes que a inflação começasse e que aproximadamente se restaurará depois que ela for interrompida.

A cada mudança dos preços relativos, se ela persistiu por algum tempo e se for esperado que continue, corresponderá, é claro, uma mudança similar na alocação dos recursos: relativamente mais serão produzidos dos bens e serviços que estão com os preços comparativamente mais altos e relativamente menos dos bens e serviços cujos preços estão relativamente mais baixos. Essa redistribuição dos recursos produtivos evidentemente persistirá a uma dada taxa. Nós veremos que essa indução a certas atividades, ou a um volume de algumas atividades, que só pode ser continuada se a inflação continuar, é uma das formas pela qual a inflação contemporânea nos coloca num dilema, porque sua descontinuação necessariamente destruirá alguns dos empregos que ela criou.

Mas antes que eu fale das conseqüências de uma economia em ajuste a um processo contínuo de inflação, eu preciso lidar com um argumento que, embora eu não saiba se foi desenvolvido claramente em lugar algum, parece estar no centro da visão que representa a inflação como relativamente inofensiva. Parece que, se os preços futuros forem corretamente antecipados, qualquer conjunto de preços esperado no futuro é compatível com uma posição de equilíbrio, porque os preços presentes se ajustarão aos preços futuros esperados. Mas claramente, contudo, isso não seria suficiente que o nível geral de preços das várias datas do futuro fosse corretamente antecipado, e estes, como nós vimos, se alterarão em diferentes graus. A suposição de que os preços particulares de mercadorias particulares podem ser corretamente antecipados durante um período de inflação provavelmente não pode nunca ser verdadeira: porque quaisquer que sejam os preços antecipados, os preços presentes não se adaptam por si mesmos aos preços mais altos do futuro, mas somente através de um presente aumento na quantidade de moeda, com todas as mudanças no nível relativo dos diferentes preços que tais mudanças na quantidade de moeda necessariamente envolveria.

Mais importante, entretanto, é o fato de que se os preços futuros fossem corretamente antecipados, a inflação não teria nenhum dos efeitos estimulantes que são tão bem acolhidos por tantas pessoas.

Agora o principal efeito da inflação que a torna primeiramente geralmente acolhedora aos negócios é precisamente porque os preços dos produtos ficam mais altos em geral do que foi previsto. É isso que produz o estado geral de euforia, um falso senso de bem-estar no qual todos parecem prosperar. Aqueles que sem a inflação teriam lucrado muito, lucram ainda mais. Aqueles que teriam lucrado normalmente, terão lucros anormalmente altos. E não apenas as empresas que estavam perto da falência, mas mesmo algumas que deviam falir são mantidas em existência pelo boom inesperado. Há um excesso geral de demanda além da oferta — tudo é vendável e todos podem continuar o que estavam fazendo. É esse estado aparentemente abençoado no qual há mais empregos do que trabalhadores o qual Lord Beveridge definiu como um estado de pleno emprego — nunca entendendo que o valor cada vez menor de sua pensão, da qual ele tão amargamente reclamava em sua velhice, era a conseqüência inevitável de suas próprias recomendações sendo seguidas.

Mas isso me traz ao meu próximo ponto, "pleno emprego", neste sentido, requer não somente continuada inflação, mas inflação a uma taxa crescente. Porque, como nós vimos, ela terá seu efeito benéfico imediato somente enquanto ela, ou pelo menos sua magnitude, não puder ser antecipada. Mas uma vez que ela for continuada por algum tempo, sua maior continuação se torna esperada. Se os preços estiveram subindo a cinco por cento por ano, se espera que eles façam o mesmo no futuro. Os preços presentes dos fatores de produção são elevados pela expectativa de preços mais altos para os produtos — algumas vezes, onde alguns dos custos dos elementos são fixados, os custos flexíveis podem aumentar ainda mais que o aumento esperado do preço do produto — até o ponto onde haverá somente um lucro normal.

Mas se os preços então não aumentam mais que o esperado, não poderá haver nenhum lucro extra. Apesar de os preços continuarem a subir à taxa anterior, isso não vai mais ter o efeito miraculoso nas vendas e nos empregos que teve anteriormente. Os ganhos artificiais desaparecerão, novamente haverá perdas, e algumas firmas verão que os preços não cobrirão nem os custos. Para manter o efeito que teve antes, quando sua dimensão total não havia sido prevista, ela terá que ser ainda mais forte do que anteriormente. Se no começo uma taxa anual de cinco por cento foi suficiente, uma vez que os cinco por cento sejam esperados, algo como sete por cento ou mais será necessário para ter o mesmo efeito estimulante o qual um aumento de cinco por cento teve antes. E uma vez que, se a inflação já durou algum tempo, uma grande gama de atividades vai ter se tornado dependente de sua continuação a uma taxa progressiva, nós teremos uma situação na qual, a despeito do aumento dos preços, muitas firmas terão prejuízos, e haverá desemprego substancial. A depressão com o aumento de preços é uma conseqüência típica de um mero freio no aumento da taxa de inflação, uma vez que a economia se adaptou a uma certa taxa de inflação.

Tudo isso significa que, a menos que nós estejamos preparados para aceitar taxas de inflação constantemente mais altas, as quais no final teriam que exceder qualquer limite atribuível, a inflação pode apenas dar um estímulo temporário à economia, mas não apenas deixará de ter efeito estimulante, mas sempre nos deixar com um legado de ajustes adiados e novos mal-ajustes, que tornam nosso problema mais difícil. Por favor, notem que eu não estou dizendo que uma vez que nós embarquemos na inflação nós estamos presos a uma hiperinflação galopante. Eu não acredito que isso seja verdade. Tudo o que estou dizendo é que se nós quiséssemos perpetuar os efeitos de prosperidade e criação de empregos peculiares da inflação, nós teríamos que progressivamente aumentá-la e nunca parar de aumentar suas taxas. Que isso seja assim foi empiricamente confirmado pela grande inflação alemã dos anos 1920. Enquanto ela aumentou a uma taxa geométrica, não houve de fato (exceto no final) praticamente nenhum desemprego. Mas até lá, toda vez que o mero aumento da taxa de inflação desacelerava, o desemprego rapidamente assumia maiores proporções. Eu não acredito que nós devamos seguir esse caminho — pelo menos não tanto tempo enquanto tivermos pessoas toleravelmente responsáveis no comando —, embora eu não esteja certo de que uma continuação das políticas monetárias da última década não vá cedo ou tarde criar um cenário no qual pessoas menos responsáveis serão colocadas no comando. Mas esse não é ainda o nosso problema. O que nós estamos experimentando ainda é apenas o que na Grã-Bretanha é conhecido como política do "stop-go", em que de tempos em tempos as autoridades ficam alarmadas e tentam parar, mas somente com o resultado de que mesmo antes que o aumento dos preços tenha parado, o desemprego começa a assumir proporções ameaçadoras e as autoridades se sentem forçadas a continuar a expansão. Esse tipo de coisa pode continuar por algum tempo, mas eu não estou certo que a efetividade de doses relativamente menores de inflação em reacender o boom não esteja rapidamente caindo. O que me surpreendeu, admito, no boom dos últimos vinte anos é por quanto tempo a efetividade da continuação da expansão em recomeçar o boom tem durado. Minha expectativa era que esse poder de se estimular os investimentos por um pouco mais de expansão creditícia se exauriria muito mais cedo — e pode ser que nós agora tenhamos chegado nesse ponto. Mas eu não estou certo. Nós podemos até ter mais dez anos de políticas stop-go, provavelmente com efetividade decrescente das medidas ordinárias de política monetária e mais longos intervalos de recessões. Dentro da estrutura política e do prevalente estado de opinião pública, o presidente do Federal Reserve Board provavelmente fará o melhor que pode se esperar de qualquer um. Mas as limitações impostas sobre ele pelas circunstâncias além de seu controle e das quais eu falarei mais tarde podem restringir grande parte de sua capacidade de fazer o que nós gostaríamos que ele fizesse.

Numa ocasião anterior, na qual muitos de vocês estavam presentes, eu comparei a posição daqueles responsáveis pela política monetária depois de uma política de pleno emprego ter sido adotada por algum tempo a "segurar um tigre pela cauda". Parece-me que essas duas posições têm mais em comum do que é confortável contemplar. Não apenas o tigre tenderia a correr mais rápido e mais rápido com movimento se tornando mais irregular à medida que somos puxados, mas também os efeitos prospectivos de deixá-lo ir se tornam mais e mais assustadores quanto mais o tigre ficar furioso. Logo somos colocados numa posição que é a objeção central a deixar a inflação se seguir por algum tempo. Outra metáfora que freqüentemente tem sido apropriadamente usada nesta conexão são os efeitos das drogas. Os primeiros efeitos prazerosos e a posterior necessidade de uma escolha mais forte constituem um dilema similar. Uma vez colocados nessa posição, é tentador depender de paliativos e se contentar em superar as dificuldades do curto prazo sem nunca se deparar com o problema básico sobre o qual aquele somente responsável pela política monetária pode pouco fazer.

Antes que eu prossiga com esse ponto principal, no entanto, eu preciso ainda dizer algumas poucas palavras sobre a alegada indispensabilidade da inflação como uma condição para o rápido crescimento. Nós veremos que os modernos desenvolvimentos das políticas dos sindicatos trabalhistas nos países altamente industrializados podem ter de fato criado uma posição na qual tanto o crescimento quanto um nível razoavelmente alto e estável de emprego possam, enquanto essas políticas continuarem, fazer a inflação o único meio efetivo de superar os obstáculos criados por elas. Mas isso não significa que a inflação seja, em condições normais, e especialmente nos países menos desenvolvidos, requerida ou favorável ao crescimento. Nenhum dos grandes poderes industriais do mundo moderno alcançou sua posição em períodos de depreciação de moeda. Os preços britânicos em 1914 estavam, na medida em que comparações entre períodos tão distantes possam ser feitas, no mesmo ponto em que estiveram nos dois séculos anteriores, e os preços americanos em 1939 estavam também no mesmo nível que no ponto mais cedo até onde temos dados, 1749. Apesar de ser bastante verdadeiro que a história do mundo é uma história de inflação, as poucas histórias de sucesso que nós encontramos são no todo histórias de países e períodos que preservaram uma moeda estável; e no passado uma deterioração do valor do dinheiro sempre esteve normalmente atrelada à decadência econômica.

Não há dúvida, é claro, que temporariamente a produção de bens de capital pode ser aumentada pelo que é chamado de "poupança forçada" — isto é, a expansão do crédito pode ser usada para direcionar uma maior parte dos presentes serviços dos recursos à produção de bens de capital. No fim desse período, a quantidade física de bens de capital existentes será maior do que seria de outra forma. Alguns desses podem ser um ganho permanente — as pessoas podem conseguir casas em troca do que elas não puderam consumir. Mas eu não estou tão certo de que esse crescimento forçado do estoque de equipamentos industriais sempre tornará o país mais rico, isto é, que o valor de seu estoque de capital posteriormente será maior ou que, com sua ajuda, a produtividade será aumentada mais do que seria o caso de outra forma. Se o investimento foi guiado pela expectativa de uma maior taxa de contínuo investimento (ou uma menor taxa de juros, ou um maior nível de salários, os quais dão no mesmo) no futuro do que de fato vai existir, esse maior nível de investimento pode ter feito menos para aumentar a produtividade total do que uma menor taxa de investimento poderia ter feito se tivesse tomado formas mais apropriadas. Isso eu considero como um perigo mais sério para os países subdesenvolvidos que dependem da inflação para aumentar a taxa de investimento. O efeito regular disso a mim parece ser que uma pequena fração dos trabalhadores desses países está equipada com uma quantidade de capital per capita muito maior do que podem sonhar em prover no futuro projetável a todos os seus trabalhadores, e que o investimento do maior total em conseqüência faz menos para aumentar o padrão de vida geral do que um total menor mais ampla e igualmente distribuído faria. Aqueles que aconselham os países subdesenvolvidos a aumentarem a taxa de crescimento da inflação parecem ser para mim totalmente irresponsáveis, a um grau quase criminoso. A condição que, sob as suposições keynesianas, faz a inflação ser necessária para assegurar a total utilização dos recursos, a saber, a rigidez dos salários determinados pelos sindicatos trabalhistas, não está presente neles. E nada do que eu vi dos efeitos dessas políticas, sejam elas na América do Sul, na África ou na Ásia, pode mudar a minha convicção de que nesses países a inflação está total e exclusivamente provocando um desperdício de recursos e atrasando o desenvolvimento do espírito de cálculo racional que é a condição indispensável para o crescimento de uma economia de mercado eficiente.

Todo o argumento keynesiano para uma política expansionista de crédito repousa total e completamente sobre a existência de um nível determinado de salários que é característico dos países industrialmente avançados do Ocidente, mas que é ausente nos países subdesenvolvidos — e por diferentes razões menos proeminente em países como o Japão e a Alemanha. É apenas naqueles países onde os salários em moeda são "rígidos decrescentemente" e constantemente empurrados para cima pela pressão dos sindicatos que um argumento plausível pode ser feito que um alto nível de emprego pode ser mantido apenas por contínua inflação — e eu não tenho dúvida de que nós conseguiremos isso enquanto essas condições persistirem. O que aconteceu aqui no final da última guerra foi que os princípios da política foram adotados e freqüentemente incorporados à lei, o que, com efeito, livra os sindicatos de toda responsabilidade pelo desemprego que suas políticas de salários possam causar e colocam toda a responsabilidade pela preservação do pleno emprego nas autoridades monetárias e fiscais. As últimas são, com efeito, requeridas para prover moeda suficiente para que a oferta de trabalho aos salários fixados pelos sindicatos possam ser tirados do mercado. E uma vez que não se pode negar que pelo menos por um período de anos as autoridades monetárias têm o poder, através de suficiente inflação, de assegurar um alto nível de emprego, elas serão forçadas pela opinião pública a usar esse instrumento. Essa é a única causa dos desenvolvimentos inflacionários dos últimos vinte e cinco anos, e ela continuará a operar enquanto nós permitirmos que, por um lado, os sindicatos subam os salários a qualquer nível que consigam que os empregadores consintam — e esses empregadores dão consentimento a salários com um poder de compra presente que eles podem aceitar somente porque eles sabem que as autoridades monetárias vão em parte desfazer o dano diminuindo o poder de compra do dinheiro e assim também o equivalente real dos salários acordados.

Esse é o fato político que, presentemente, torna a inflação continuada inevitável e que não pode ser alterada por nenhuma mudança nas políticas monetárias, mas somente por mudanças nas políticas salariais. Ninguém deve ter nenhuma ilusão sobre o fato de que enquanto a posição presente no mercado de trabalho continuar nós estamos fadados a ter inflação contínua. Mas nós não podemos permitir isso, não somente porque a inflação se torna menos e menos efetiva mesmo na prevenção do desemprego, mas porque depois que ela durou por algum tempo e começa a operar a uma taxa maior, ela começa progressivamente a desorganizar a economia e a criar uma forte pressão pela imposição de todos os tipos de controles. Inflação aberta é ruim, mas a inflação reprimida por controles é ainda pior: é o real fim da economia de mercado.

O que devemos domar para preservar o sistema empresarial e o livre mercado é, portanto, o poder dos sindicatos sobre os salários. A não ser que os sindicatos, e particularmente os salários relativos nas diferentes indústrias, sejam sujeitos às forças do mercado e se tornem realmente flexíveis, para baixo ou para cima em grupos particulares, não há possibilidade de uma política não-inflacionária. Uma consideração bem simples mostra que, se nenhum salário puder cair, todas as mudanças nos salários relativos que se tornam necessárias precisam ser causadas por todos os salários exceto aqueles que tendem a cair relativamente, a maioria sendo reajustada para cima. Isso significa que praticamente todos os salários em moeda precisam subir se qualquer mudança na estrutura salarial for ser implementada. Contudo, um sindicato trabalhista concedendo a redução dos salários de seus membros parece hoje em dia uma impossibilidade. Ninguém, é claro, ganha com essa situação, já que os aumentos dos salários em moeda precisam ser compensados por uma depreciação do valor do dinheiro se nenhum desemprego for ser causado. Essa parece, contudo, uma necessidade embutida na determinação dos salários por barganha coletiva por sindicatos industriais ou de serviços além de uma política de pleno emprego.

Eu acredito que enquanto essa questão fundamental não for resolvida, há pouco para se esperar quanto a qualquer melhora no funcionamento do controle monetário. Mas isso não significa que os arranjos existentes sejam satisfatórios. Eles foram desenhados precisamente para tornar mais fácil ceder às necessidades determinadas pelo problema dos salários, i.e., para tornar mais fácil que o país infle sua moeda. O padrão-ouro foi destruído principalmente porque era um obstáculo à inflação. Quando, em 1931, poucos dias depois da suspensão do padrão-ouro na Grã-Bretanha, Lord Keynes escreveu num jornal londrino que "há poucos ingleses que não se regozijem com a quebra de nossas correntes de ouro" e que 15 anos depois poderia nos assegurar de que os acordos de Bretton Woods foram "o oposto do padrão-ouro", tudo isso era direcionado à principal característica do padrão-ouro, o qual tornava impossível qualquer política inflacionária de qualquer país isolado. E embora eu não esteja certo de que o padrão-ouro é o melhor arranjo possível para esse propósito, ele foi o único que conseguiu razoável sucesso nesse sentido. Ele provavelmente tem muitos defeitos, mas a razão pela qual ele foi destruído não é um deles; e o que foi posto em seu lugar não é um aperfeiçoamento. Se, como eu ouvi recentemente ser explicado por um dos membros do grupo original de Bretton Woods, o objetivo deles era colocar o peso do ajuste das balanças internacionais exclusivamente nos países superavitários, me parece que o resultado disso precisa ser uma contínua inflação internacional. Mas eu só menciono isso concluindo para mostrar que se queremos evitar uma contínua inflação mundial, nós precisamos também de um diferente sistema monetário internacional. No entanto, o momento em que nós poderemos pensar lucrativamente sobre isso virá apenas quando os principais países resolverem seus problemas internos. Até lá, nós provavelmente teremos que nos satisfazer com improvisos, e me parece que no presente momento, e enquanto as dificuldades fundamentais que eu considerei continuarem a estar presentes, não haverá chance de resolver o problema da inflação internacional com o restabelecimento do padrão-ouro, mesmo se essa fosse uma política possível. O problema central precisa ser resolvido antes que possamos esperar uma ordem monetária satisfatória é o problema da determinação dos salários.



Notas:

1 Veja a crítica do Professor Hayek a Sir John Hicks em seu artigo "Three Elucidation os the Ricardo Effect", Journal of Political Economy (Março-Abril 1969): 274. [N.E.]
Friedrich A. Hayek (1899-1992) foi um economista da Escola Austríaca e teórico do liberalismo clássico. Seu livro "O Caminho da Servidão", de 1944, se tornou um clássico anti-coletivista. Ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 1974 por seu trabalho sobre a moeda e os ciclos econômicos.