O governo e os direitos do homem - G. K. Chesterton

Não vejo por que um homem que não seja livre para abrir sua boca para beber devesse ser livre para abri-la para falar. Falar causa muito mais prejuízos diretos a outras pessoas. A comunidade sofre menos diretamente por causa do bêbado local do que pode sofrer por conta do contador de histórias local, ou por causa dos discursadores locais, ou por causa do vilão local que seduz a dama local. Esses e vinte outros tipos de males ocorrem simplesmente por causa da fala; é certo que uma grande quantidade de males poderia ser evitada se nós todos usássemos mordaças. A resposta não é negar que a calúnia é um veneno social, ou que a sedução é um assassinato espiritual. A resposta é que, a não ser que seja permitido ao homem falar, ele está na mesma posição que um chimpanzé, que só é capaz de emitir sons. Em outras palavras, se um homem perde a responsabilidade por essas funções e formas de liberdade rudimentares, ele não perde apenas sua cidadania, mas sua humanidade.

Mas há outras liberdades pessoais que ainda nos são permitidas, mais elaboradas e civilizadas que aquele simples discurso humano, o qual ainda é bastante similar ao sons dos chimpanzés. Por algum descuido oficial, o qual eu sou incapaz de explicar, nós ainda podemos escrever cartas privadas se as colocarmos nas caixas de correios públicas. O Chefe Geral dos Correios não escreve todas as nossas cartas para nós; nem mesmo o carteiro local já tem esses poderes locais. Não posso conceber como é que os reformadores fracassaram em notar a necessidade de unir, reorganizar, coordenar, codificar e ligar todo esse sistema — ou falta de sistema — complexo, caótico e dispendioso. Deve haver enormes quantidades de sobreposições, com uns seis jovens rapazes escrevendo cartas para apenas uma jovem dama. Deve haver um padrão educacional terrivelmente baixo, sendo permitido a todos os tipos de pessoas pobres colocar em suas cartas quaisquer grafias e gramáticas que quiserem. E toda essa anarquia e deterioração poderia se acabar com o simples processo de padronização de toda correspondência. Sei que se usar a palavra "padronização", o sr. H. G. Wells acolherá a idéia e começará a pensar nela seriamente (de fato, se abre perante mim um grande leque de possíveis reformas sociais).

Aparentemente, o primeiro e mais óbvio método seria o governo nos enviar formulários oficiais para nossas amigáveis correspondências, para serem preenchidos como os formulários de seguros ou do imposto de renda. Aqui ali, mesmo na comunicação mais exemplar, haveria palavras deixadas em branco, as quais o indivíduo poderia preencher por si mesmo. Eu tenho uma idéia quase pronta de uma carta de amor oficial, impressa na forma "Eu ________ você", para que o cidadão pudesse inserir "amo", ou "gosto de", ou "adoro", com a expectativa de um novo casamento civil; ou "renuncio a", ou "repudio", ou "execro", com a expectativa de um novo e mais civil divórcio. Mas mesmo essas lacunas para variação verbal devem ser admitidas com cuidado; pois o objetivo da reforma inteira é aumentar o nível geral de toda correspondência a uma altura inalcançável à maioria atualmente.

Mas eu não estou realmente convertido a meu próprio projeto, mesmo que por minha própria falta. Eu não estou realmente convencido da necessidade de correspondências padronizadas, por conta da existência de cartas criminosas ou pela minha criminosa negligência às cartas. Se ou quando, por estar com um estranho humor numa data distante, eu de fato respondesse uma carta, eu ainda preferiria escrevê-la eu mesmo. Mesmo se eu não tivesse nada a escrever a não ser uma desculpa por não ter escrito, eu preferiria que meu auto-rebaixamento tivesse o aspecto de autodeterminação.

É extraordinário que toda a recente discussão sobre autodeterminação seja aplicada a tudo exceto ao eu. É aplicada ao Estado, mas não à própria coisa à qual sua fórmula verbal se professa aplicar. Eu, por mim, acredito na mística doutrina da democracia, que pressupõe que a Inglaterra tem uma alma, ou que a França tem uma identidade. Mas certamente é muito mais óbvio e ordinário que Jones tem um eu e que Robinson tem um eu. E a questão que eu aqui discuti sob a parábola dos Correios não é a questão de se há abusos de bebidas ou de comidas, da mesma forma que há calúnia e difamação em qualquer caixa de correio ou bolsa de carteiro. É a questão de se nestes dias as ações do governo deixarão intacta alguma parte dos direitos do homem.
G. K. Chesterton (1874-1936) foi um influente jornalista, poeta, biógrafo, teólogo católico e romancista inglês. Foi um dos formuladores do distributivismo, doutrina que buscava aplicar a doutrina social da Igreja Católica à economia.